Trinta e Cinco Anos Atrás – Meu Ano de 1963

Faz 35 anos, este ano (1998), que terminei meu Curso Clássico no JMC. Meia vida de alguns, mais do que isso de muitos.

O terceiro ano do Curso Clássico era a “glória” para o aluno do JMC. Ele finalmente era formando, pré-seminarista. Tinha o privilégio de morar no QG, em quarto individual, num prédio onde o banheiro possuía chuveiro com água quente. Isso era mordomia pura naquelas bandas. A gente olhava os outros com ar superior e usava o fato de ser formando para impressionar as calouras. Como ultimoanistas podíamos também dirigir o culto na Casa das Moças, à noite, o que fiz algumas vezes. Esse, então, era um privilégio e tanto.

Academicamente, meu ano de 1963 foi relativamente tranqüilo. Tive meu primeiro curso de Filosofia (ênfase em Lógica), com o Rev. João Euclydes Pereira, o Zoca. Foi o curso de que mais gostei em toda a minha estada no JMC – tanto que, quando deixei a Teologia, foi para a Filosofia que me voltei. Comparado com o curso de História que o Rev. João Euclydes dava (que eu achava relativamente chato e monótono), o curso de Lógica, com os silogismos, os quebra-cabeças lógicos, e os processos mnemônicos para que nos lembrássemos de quais formas silogísticas eram válidas, era, para mim, excitação intelectual da melhor espécie.

Deslanchei bem no Inglês, em grande parte por ter namorado, durante boa parte do ano, Natalie Landes Browne, neta do rev. Felipe (Philippe) Landes, que, embora nascida na China, era filha de americanos e, portanto, falava Inglês como nativa. Por incentivo da Natalie e do Deoclécio Silveira do Amaral (o melhor falador de Inglês sem ascendência americana que havia na escola), passei a freqüentar as sessões do English Club, que se reunia todas as quartas-feiras, sob o comando de Da. Jean Pemberton. Ainda por incentivo da Natalie, comecei a ter aulas particulares de Inglês com Da. Margarida (Margareth, presumo) Landes, avó dela, esposa do rev. Landes. Dona Margarida me fazia ler artigos e artigos da Selections of the Readers’ Digest. Meu conhecimento de gramática melhorou muito nessas aulas. Bilhetes com a Natalie trocava-os diariamente, e ela, nas respostas aos meus, tinha a paciência de corrigir meus erros de Inglês. O namoro foi feliz, tranqüilo, sem sobressaltos. Terminou de forma infelizmente deselegante, por culpa minha. Sempre fui razoavelmente hábil para começar relacionamentos afetivos (modéstia à parte), mas extremamente inábil para encerrá-los, verdade seja dita. Fiz uma série de papelões em minha vida, nessa área.

Em termos de viagens individuais, comecei o ano na Igreja de Passos, MG, da qual era membro meu colega João Batista de Oliveira. Passei as férias de Dezembro de 1962 lá. No dia 31 de dezembro de 1962 dirigi o Culto de Vigília em São João Batista do Glória, cidade próxima de Passos, e que era então conhecida como a “capital nacional do barbeiro” (o inseto causador da doença de Chagas). No dia 1 de Janeiro de 1963 voltei para Passos e fui ao cinema à tarde e à noite, com a Elda, menina loira, de excelente família passense, que acabou se casando com um colega meu do Seminário (de cujo nome infelizmente não consigo me lembrar, por mais que me esforce). À tarde assistimos “Tarzan e a Mulher do Diabo”, e à noite “Circo dos Horrores” (eu registrava essas coisas na minha agenda). No dia 2 de janeiro preguei meu sermão de despedida lá. Nunca mais vi a Elda, com quem me correspondi por uns tempos – até que, mais para o meio do ano, comecei a namorar a Natalie.

No sábado, dia 5 de janeiro, parti para Pirapozinho, SP, cidade perto de Presidente Prudente, onde iria trabalhar durante o mês de Janeiro, na Igreja Presbiteriana Independente. O ônibus saiu de São Paulo às 7:30 e chegou a Presidente Prudente às 18:15 – quase onze horas de viagem. Peguei imediatamente um ônibus para Pirapozinho, onde cheguei às 19:30, para ficar hospedado numa Casa Pastoral vazia. Depois de uns dias o Jonas Christensen, amigo e ex-“velha” (moramos juntos em 1962) chegou para me ajudar com o trabalho com o coral e com o canto congregacional. Lá, surpreendentemente, não me interessei por ninguém, em particular.

Enquanto estava em Pirapozinho viajei por Tarabay, Narandiba, Coronel Goulart, Mirante do Paranapanema, Dumontina, Regente Feijó, Presidente Wenceslau, Presidente Epitácio e Presidente Prudente. Preguei em todas essas cidades e fiz dezenas de visitas. No final do mês voltei para São Paulo de trem (trem leito, o famoso Expresso Ouro Verde, que tantas vezes, quando criança, havia tomado para vir do Paraná para São Paulo: a gente o tomava, em baldeação, em Ourinhos).

No início de Fevereiro fui para o Acampamento “Palavra da Vida”, onde trabalhei durante uma semana, como freqüentemente o fazia nas férias. Não me lembro exatamente qual era minha função lá. Depois disso passei uns dias em Campinas e, durante o Carnaval, fui a um retiro espiritual em Americana.

As aulas começaram apenas no dia 5 de março, terça-feira. Não havia aulas no JMC às segundas-feiras. Os pré-seminaristas, por trabalharem demais no fim de semana, tinham, como muitos barbeiros ainda hoje têm, a segunda-feira de folga…

Logo no início do ano fui eleito presidente do Grêmio Miguel Torres, o grêmio “sério”, de cunho mais religioso e menos cultural e artístico. Acho que a Renée Myriam de Camargo (irmã da Reacy e, portanto, minha ex-quase-futura cunhada), a Alzira Val e o Robert (“Bob”) Lodwick também eram da Diretoria. Este foi meu primeiro cargo eletivo – e um dos poucos que exerci ao longo de minha vida. Depois dele, se bem me lembro, só fui eleito Secretário do Centro Acadêmico “Oito de Setembro” (CAOS), do Seminário Presbiteriano de Campinas, em 1966, e (de certa forma) Diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, em 1980.

Começando em Março, e durante o ano inteiro (exceto nas férias), trabalhei, aos domingos, na Congregação Presbiteriana de Utinga, que pertencia à Igreja Presbiteriana de Santo André, da qual era membro. Os líderes lá eram o Benedito dos Santos e o João Rodrigues, em cuja casa a Congregação se reunia. Lá, pelas mãos do Benedito, pela primeira vez dirigi um automóvel, sem nenhum preparo anterior – só não dando uma batida no barranco com o Fordeco dele porque ele foi rápido para tomar o volante. Boa gente aquela.

No dia 19 de março comecei a usar lentes de contato. Fiquei todo vaidoso com elas, pois me permitiram abandonar os incômodos óculos de lentes escuras que precisava usar, que me valeram o desagradável apelido de “Cegão” (que convivia com o apelido de “Juca”, com o qual o Eliseu até hoje me honra, em homenagem ao Juca Chaves). Usei lentes de contato até 1970, quando as troquei por óculos de lentes acrílicas, nos Estados Unidos, que podiam receber um colorido bem mais suave do que as pesadas lentes de vidro que usei até Março de 1963.

No mês de abril, de 19 a 21, fizemos (os homens do terceiro clássico) uma viagem à Praia Grande. Fomos todos na perua do JMC, dirigida pelo rev. Olson Pemberton, e ficamos hospedados na chamada Casa da Missão. A Praia Grande, naquela época, era deserta na região em que se situava a casa, que ficava tão perto da água que, durante a maré cheia, os muros eram banhados pelas ondas. Lá, nós mesmos cozinhamos – era macarrão todos os dias. Creio que nunca me diverti tanto numa praia, jogando futebol e pulando ondas, o que fazia pela primeira vez. Lembro-me de como o Octávio Stradioto, pequenino e franzino, era arrastado pelas ondas e literalmente jogado na praia… Ficamos lá três dias (duas noites). O problema era dormir à noite. Tinhamos sacos de dormir, colchonetes, etc., mas poucos travesseiros. Uma noite eu tentava dormia num saco de dormir, sem travesseiro, e, ao meu lado, o Gordurinha (Assir Pereira) roncava, dormindo, de costas, o sono do justo. Com muito cuidado, levantei levemente a cabeça dele, tirei o travesseiro, e baixei a cabeça dele, bem de leve. Ele não acordou. Com o travesseiro, finalmente consegui dormir até que o travesseiro foi violentamente puxado de debaixo de minha cabeça. A sensação foi de que a minha cabeça subiu uns dez centímetros antes de cair e bater no chão… Um dia fomos a Santos, visitar o aquário. O Gordurinha, mais uma vez, deu o show. Ele gostava de virar umas piruetas (que ele chamava de “piruletas”), e alguém o desafiou a fazê-lo no meio da avenida na Praia do Gonzaga. Não é que ele fez? Foi para o meio da rua, parou o trânsito (então pequeno), e deu sua pirueta – gritando “Zeferina…” (não sei porque ele gritava isso – talvez ele possa elucidar).

Em Junho, creio, comecei a namorar a Natalie. Lembro-me da época porque no dia 7 de junho, dia do aniversário dela, já registrei o fato em minha agenda, algo que não teria feito se a gente não estivesse já namorando. O início do namoro talvez tenha sido um pouco antes, não sei por certo. Na minha cabeça fica o mês de junho porque foi nesse mês que parei de escrever para a Elda, de Passos… (Eu tive muitas namoradas, mas sempre procurei terminar um namoro antes de começar o outro – ou quase). Nunca fui bom mentiroso – e, por isso, nunca consegui namorar duas ao mesmo tempo. Gostar de duas ao mesmo tempo, mas de formas diferentes, já me ocorreu mais de uma vez, mas namorar é algo prático, que envolve aspectos logísticos que nunca consegui gerenciar suficientemente bem para manter dois namoros simultâneos. Havia colegas no JMC, entretanto, que eram mestres nisso: o Mário Fava que o diga, que andou dando em cima da Margareth, irmã da Natalie, pelo que consta até com certo sucesso, até que ela descobriu umas certas cartas que ele recebia do interior…

Com um grupo de formandos do I e do II Ciclos viajei para São João da Boa Vista, nos dias 22-24 de Junho. Numa festinha da mocidade, na noite do sábado, dia 22, depois do jogo de futebol de salão da tarde, lembro-me de ter cantado uma modinha caipira que foi popularizada por Cascatinha e Inhana, que tinha uma letra mais ou menos assim assim (faltam uns pedacinhos, por mais que tenha vasculhado a memória): “Eu vim de longe, tão cansado, pra te vê, eu vim cantando para as máguas desfazer. Da minha choça despedi no amanhecer, e ‘tou chegando vendo a lua aparecer. Mas foi prazer pra mim todo esse padecer: ‘tava pensando nos olhinhos de você! Ai, que beleza, que beleza de morena, delicada e perfurmada como a flor! Tinha a boca tão pequena, bem pequena, toda feita de beijinhos para o amor! Você se lembra, foi na noite de São João, nós dois juntinhos “se assentemo” num moirão. Você pegou devagarinho a minha mão — quanta saudade me ficou no coração! Ai, quanta saudade me ficou no coração daquele amor feito de sonho e de ilusão! Na despedida você disse no portão: Faz uma casa pra nós dois lá no sertão. Ai, que beleza, que beleza de morena, delicada e perfurmada como a flor! Tinha a boca tão pequena, bem pequena, toda feita de beijinhos para o amor!” Também declamei, na festinha, a poesia “Gesto Heróico”, de Mário Barreto França, que sei de cor até hoje, apesar dos quase dez minutos que levo para declamá-la inteira.

Em São João da Boa Vista fiquei hospedado na casa do dono da empresa de ônibus que fazia o trajeto São João da Boa Vista-São Paulo, que era da igreja. Isso não só nos ajudou quando da viagem ao Sul (vide adiante), mas também me valeu um passe entre São João da Boa Vista e São Paulo durante toda a minha estada no Seminário de Campinas. Em gratidão, voltei várias vezes à igreja de São João da Boa Vista durante meus anos de Seminário.

No mês de Julho de 1963 trabalhei na Igreja Presbiteriana Independente de Iepê, SP. De lá visitei as igrejas de Rancharia, Assis e Centenário, no Paraná. Em Iepê conheci a Selma, que, na ocasião, namorava um colega meu (acho que o Flávio “Cebolinha”). Em trabalhos subseqüentes em Iepê, mais de dois anos depois, quando já estava no Seminário, comecei a namorar a Selma. O namoro durou quase um ano. A Selma é a única ex-namorada significativa da minha juventude com quem não consegui restabelecer alguma forma de contato, agora, nos “anos maduros”. Consta que ela trabalhou com a APEOESP, lá na regional de Rancharia, Assis ou Presidente Prudente, não sei.

Voltei mais uma vez em 1963 à Casa da Missão na Praia Grande, no segundo semestre, mas agora num piquenique da Igreja da Bela Vista, freqüentada pela família da Natalie (que morava na Casa da Missão em São Paulo, na Alameda Campinas). A Margareth, irmã mais velha da Natalie, que hoje atende pelo nome de Greta, e a Libby, irmã mais nova, que hoje atende por Bete, também estavam lá. Não me lembro se o Paul, o mais novo dos dois irmãos dela (o outro era o George), também estava lá.

No final do ano, antes da formatura, os formandos dos dois ciclos fizeram uma viagem ao Sul. Se bem me lembro a viagem durou uns vinte e cinco dias, durante o mês de Novembro, e foi razoavelmente bem planejada. O ônibus era da Viação São João da Boa Vista – São Paulo, cujo dono, já mencionado, nos fez um bom preço. Como disse, eu havia ficado hospedado na casa dele em Junho. Ficamos com um ônibus moderno por nossa conta durante quase um mês, dirigido por um simpático motorista, também chamado Eduardo. Juntamos dinheiro durante o ano inteiro para a viagem. Mesmo assim o dinheiro deu apenas para o ônibus e para algumas refeições. Por isso, antes da viagem escrevemos às igrejas de Curitiba, Joinville, Florianópolis, Porto Alegre, e Lages, propondo que, em troca de hospedagem, fizéssemos um culto para jovens na igreja, em que cantaríamos, organizaríamos as tradicionais brincadeiras de salão depois do culto, etc. Na maior parte dos casos, deu tudo certo. Em algumas cidades, porém, não conseguimos acertar nada. Porque passamos um dia na praia de Camboriú, então totalmente deserta, precisamos dormir em Tubarão, as moças num hotel e nós rapazes dentro do ônibus, porque o dinheiro não dava para pagar hotel para todos!

Em Florianópolis, lembro-me como se fosse hoje, estávamos na praia, no fim da tarde de 22 de Novembro, quando alguém, com um rádio de pilha, ouviu a notícia de que John Kennedy havia sido assassinado. Ficamos todos chocados. Por que é que quase todo mundo adulto naquela época lembra-se com precisão de onde estava quando Jack Kennedy morreu?

Na viagem, tínhamos um octeto, do qual eu era regente. Nele cantavam a Sueli, a Renée, a Nivalda, acho que o Carmelino, o Paulo, o Octávio, não me lembro quem mais. Cantávamos em todas as igrejas. Em Porto Alegre cantamos na rádio, e, justo neste dia, demos vexame. Começamos desafinados e tivemos que recomeçar. Até hoje, quando me lembro, fico com raiva.

Na volta, em Lages, igreja do Octávio, fomos extremamente bem recebidos. Não me esqueço dos cafés da manhã exageradamente fartos, parecendo os Cafés Coloniais que hoje são atrações turísticas em Gramado.

Foi durante essa viagem que comecei a namorar a Sueli, hoje Secretária de nossa Associação. Tivemos um namoro relativamente longo (para os meus parâmetros) e razoavelmente sério, em termos de convivência com a família, viagens a Santos (sempre com a família), etc. O namoro só terminou quando eu estava no segundo ano do Seminário em Campinas. Reencontrar a Sueli, depois de cerca de trinta anos, numa reunião da Associação no Mackenzie / Tamboré, foi uma das grandes satisfações que tive na vida.

No final de Novembro houve a formatura (sobre a qual falarei mais, adiante).

Em Dezembro, já depois de terminadas as aulas, vários dos agora formados fomos, em ônibus de carreira (“Expresso Real”), até Brasília. Agora já namorava oficialmente a Sueli. Em Brasília cantamos na Igreja Presbiteriana Nacional, assistimos a um concerto de Paulo Fortes no Hotel Nacional, fui entrevistado (na qualidade de regente do octeto) pela Rádio Ministério da Educação, e, naturalmente, ficamos conhecendo a recém-inaugurada capital do país. Paulo Fortes era (é ainda?) crente. Fiquei impressionado com a ressonante voz do locutor da Rádio MEC. Minha voz pareceu tão inadequada perto da dele! Ainda guardo um envelope da “Igreja Presbiteriana Nacional”, de Brasília, com o endereço: Avenida W-3, Quadra 10, Lote 2, Caixa Postal 686, Brasília, DF. Ainda não havia CEP naquela época. Brasília não tinha nem dois anos.

Voltemos, agora, à festa de formatura e assuntos relacionados. Meu Certificado de Conclusão dizia:

Instituto “José Manuel da Conceição” — Seminário Menor
Estabelecimento de Grau Médio a serviço das Igrejas Evangélicas do Brasil
Jandira, Estado de São Paulo

Certificado de Conclusão do II Grau

Certificamos que Eduardo Oscar de Campos Chaves, filho de Oscar Chaves e de Edith de Campos Chaves, natural de Lucélia, Estado de São Paulo, nascido em 7 de Setembro de 1943, tendo em vista os resultados das provas prestadas no ano letivo de 1963 no terceiro ano do II Grau, é considerado habilitado no Segundo Ciclo Secundário, nos termos do Decreto-lei nº 34.330, de 21 de outubro de 1953.

Jandira, 30 de novembro de 1963

Rubem Alberto de Souza, Diretor
João Euclydes de Souza, Autoridade Eclesiástica

Parece que em premonição dos problemas que estavam por vir, requeri três cópias do Certificado de Conclusão e do Histórico Escolas. Ainda as tenho todas.

O nosso convite de formatura dizia:

Convite de Formatura de 1963

Instituto JMC, São Paulo – 1960 – Formandos

Homenagens:

Diretor
Rev. Ruben Alberto de Souza

Vice-Diretor
Rev. Joaquim Machado

Profa. Maria Block Cruz

Homenagem dos formandos da 4ª série de 1963

A Congregação e os Formandos do Instituto “José Manuel da Conceição” têm a subida honra de convidar V. Excia. e Exma. Família para assistirem às solenidades de formatura das turmas de 1963 a se realizarem no dia 30 de novembro às 20 horas, no Auditório Dr. Waddell, situado em Jandira, E.F.S. – São Paulo, e para o Culto de Ação de Graças a se realizar no dia 30 às 15 horas.

A Comissão

Paraninfo
Dr. Camilo Ashcar

Orador Sacro
Rev. Adauto Araújo Dourado.

Orador
Eduardo Oscar Chaves

Formandos do II Ciclo

Airton Neves Ormond
Assir Pereira
Celso Martins
Cilas Gonçalves
Deoclécio Silveira do Amaral
Eduardo Oscar de Campos Chaves
Hamilton Felix de Souza
Hélio de Castro e Souza
Ireno Dias Ribeiro
Maria Helena Pires
Natanael Florenço do Amaral
Octávio Stradioto
Otoniel Marinho de Oliveira
Robert Nicholas Lodwick

Formandos do I Ciclo

Benedito Barbosa de Souza
Carmelino Souza e Silva
Eunice Rodrigues de Sá
Getúlio Rosa da Guia
Hilze Schneider
Irma Chaves Eguez
Isauro Batista Carriel
João Rhonaldo de Andrade
Judith Augusta dos Santos
Lindolfo Teixeira
Maria Altina Felix da Silva
Mário de Oliveira Mello
Nivalda Barbosa Franco
Paulo Cosiuc
Renée Myriam de Camargo
Ronan Pereira da Silva
Rubens Faria
Sueli Barbosa Cavalcanti
Vera Lúcia Felício Papa
Vera Lúcia Monteiro Saldanha

Agradecimentos:

A Deus
Aos nossos Pais
Às nossas Igrejas
Aos nossos Presbitérios
Às Missões Nacionais e Estrangeiras
E aos nossos queridos Professores

Fui orador da turma. Meu discurso de formatura, longo, está disponível no site do JMC na Internet (www.jmc.org.br).

No festa de formatura vi pela última vez a Reacy, meu primeiro amor e minha primeira paixão, no JMC, no ano de 1961, meu primeiro ano lá. Mas essa é outra história…

E com isso, chego ao final de 1963, meu último ano no JMC, trinta e cinco anos atrás. “It was a very good year”, como diz a canção do Sinatra. Sinto saudades daquele tempo, das coisas sentia naquela época. Sinto inveja do eu que eu era em 1963, com a vida inteira pela frente. No plano político, foi um ano difícil para o Brasil – o ano em que João Goulart teve a sua chance. No JMC eu não tinha grande consciência política. Conseguia ser feliz sem me preocupar muito com o que estava acontecendo fora do meu mundinho. Pensar que estive em Brasília exatamente quatro meses e meio antes do Golpe de 31 de Março. Naquela época não tinha idéia do que estava por vir. As únicas coisas que me ficam na memória daquela viagem são Paulo Fortes, no Hotel Nacional, a entrevista com a Rádio do MEC, a nova Igreja Presbiteriana Nacional, a viagem de ônibus… O ano de 1963 foi, para mim, o último ano de minha Idade da Inocência.

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Transcrito aqui em 7 de Março de 2010

O Passado, a Memória, e o Futuro

No ano que vem, 2011, vai fazer cinqüenta anos que eu entrei no JMC. Foi em 1961. A escola durou apenas nove anos mais; foi fechada em 1970 – quarenta anos atrás  As pessoas que cursaram a escola naquele último ano estão hoje com cerca de cinqüenta anos, pelo menos. Quanto o JMC completar cem anos de fundação, haverá algum manuelino ainda vivo? Lembrar-se-á alguém ainda dessa escola maravilhosa?

Não podemos fazer nada quanto à duração da vida dos manuelinos. Mas podemos fazer muito para que, no futuro, o JMC seja lembrado – se não por manuelinos, caso a raça tenha se tornado extinta, pelo menos pelos seus descendentes, ou por outras pessoas que nada tiveram que ver com manuelinos.

Foi por isso que levei o Gabriel ao encontro, ontem. Ele tem dez anos. É meu neto mais velho. Queria que ele ficasse conhecendo um monte de pessoas extremamente legais. Cronologicamente velhas, já, da perspectiva dele. Mas ainda jovens de espírito. (Hoje faço exatamente 66 anos e meio – farei 67 no dia 7 de setembro. Mas ontem ouvi alguém se referir a mim como “aquele menino que conhece o Décio Madruga”… Fiquei realizado. Além de jovem em espírito eu, para alguns dos meus colegas ali, era ainda “o menino”… A Martha Faustini, que este ano faz 90 anos, e é minha amiga, e está firme: foi colega de meu pai no JMC na década de 30).

As nossas reuniões, os livros e cadernos que temos publicado, os sites e blogs que colocamos no ar, são, todos eles, tentativas que fazemos de preservar a nossa memória. De impedir que nossos filhos e netos desconheçam a escola que nós freqüentamos e que tanto nos marcou.

Se eu estiver vivo, terei 84 anos quando o JMC completar o primeiro centenário de sua fundação, em 8/2/2028. Acho difícil que esteja – mas minha mãe morreu menos de dois meses antes de celebrar 84 anos de vida.

Meu pai entrou no JMC em 1934 – seis anos depois de sua fundação. Faz setenta e seis anos que eu tenho algum vínculo, ainda que indireto, com o JMC. Quanto a vínculo direto, e como eu já disse, no ano que vem fará cinqüenta anos que eu entrei no Jota. Meio século, E ainda me lembro da minha vida lá de 1961 a 1963 melhor do que me lembro de coisas que aconteceram bem mais recentemente.

Em Salto, 7 de Março de 2010

Meu Discurso de Formatura no JMC em 1963

[Em 1963 me formei no Curso Clássico no JMC. Tinha vinte anos. O Paraninfo foi o Deputado Camilo Ashcar, da UDN (se bem me lembro). Crente. Fui escolhido como Orador da Turma. Escrevi meu discurso – e o li quase que inteiramente. Foi a primeira vez que escrevi sobre o JMC. Iria escrever novamente apenas em 1998, vinte e cinco anos depois, com o Jota fez 70 anos. O texto do Discurso de Formatura é mais sermão do que discurso… Mas vá lá. Era assim que eu pensava e me sentia no dia 30 de Novembro de 1963. Às 20h. Vide o convite para a cerimônia, neste mesmo blog, em https://jmc.org.br/2019/09/23/convite-de-formatura-do-ano-de-1963/.%5D

Discurso de Formatura (*)

Eduardo O C Chaves

Excelentíssimas autoridades presentes, senhoras e senhores:

Há meses, quando fomos escolhidos para aqui na frente representar o pensamento dos que ora se formam, começamos a pensar sobre o que diríamos. A primeira idéia que nos apareceu foi a de basear nossa fala em algum pensamento sábio e bem apresentado por alguém, pois discursos, geralmente, são iniciados assim. Começamos, então, a manusear Dicionários de Citações, Enciclopédias de Pensamentos e outras obras congêneres. Por incrível que pareça, porém, o dito pensamento, sábio e bonito, com que iniciaríamos nosso discurso nesta noite não apareceu.

Foi nessa ocasião, quando estávamos sem idéia de como principiar o nosso falar e sem idéias de como desenvolvê-lo, que nos lembramos do discurso do orador da turma dos formandos de 1961, ano em que aqui chegamos. Ele se baseou no primeiro versículo do Salmo 124: “Se não fôra o Senhor que esteve ao nosso lado…”. Ao lembrarmos disso, veio-nos a idéia de nos basearmos também na Bíblia para a nossa conversa de hoje. Enfim, não é a Bíblia a fonte da mais profunda sabedoria, a revelação divina ao homem? Certo dia, enquanto líamos a Palavra de Deus, notamos dos versículos de um Salmo e alguma coisa nos avisou: — “Aí está o discurso de formatura. Desenvolve isto”.

 

“Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus. Uns encurvam-se e caem, mas nós nos levantamos e estamos de pé”. Estes são os versículos número sete e oito do Salmo vigésimo.

Quando Davi escreveu essas palavras, estava em guerra, sentia diante de si e de sua nação o rumor de povos inimigos que, poderosos na luta corporal, frente a frente, possuíam ainda a vantagem de contar com carros e cavalos na batalha. Mas, apesar disso, Davi confia no Senhor, Deus dele e nosso Deus, mais que nos carros e cavalos do inimigo. Davi, milhares de anos antes, já pensava como São Paulo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”

Este Salmo é dividido por alguns em duas partes: um canto de batalha seguido de um canto de vitória. E sempre será assim: batalha, aos nossos olhos, sempre estará relacionada com vitória. Nunca haverá verdadeira vitória sem batalha, apesar de existir muita batalha em que não há vitória. Mas, para aqueles que fazem menção do nome do Senhor, para aqueles que põem a confiança no Senhor dos Exércitos, batalha será sempre prenúncio de vitória. Acabamos de combater mais um curso e hoje conseguimos a vitória. Mérito nosso? De modo algum, porque se o Senhor nosso Deus não estivesse ao nosso lado, nada disso teríamos conseguido.

Gostamos, porém, de provar aquilo que dizemos. Será que Davi tinha razão para colocar tão grande confiança em Deus, tinha razão para crer tão firmemente na vitória confiado apenas na ajuda e proteção divinas?

Os povos inimigos de Israel possuíam, como arma de guerra, carros puxados por cavalos e com foices nas rodas, carros esses que cortavam homens e ceifavam vidas como se corta a grama e se ceifa o trigo. Possuíam milhares de cavaleiros que, armados, poderiam pisotear e esmagar pobres israelitas para quem um simples escudo valeria de pouca coisa. Valeria a pena confiar em um Deus invisível, quando armamentos visíveis e palpáveis vinham prontos para destruir tudo?

Davi, contudo, tinha razões para dizer o que disse. Por quê?

PRIMEIRO: Porque a história do povo de Israel, no passado, provava que Deus realmente merece confiança.

Fôra Deus quem, com forte mão, tirara o povo da escravidão do Egito, e quando os egípcios, com carros e cavalos, vieram após eles, valeu mais a confiança em Deus, que sobre os perseguidores fechou o Mar Vermelho. CARROS — apodreceram no fundo do mar; CAVALOS — matou-os a água; HOMENS — jazeram mortos, boiando na superfície do mar. E DEUS? — DEUS GUIAVA SEU POVO (Êxodo 14).

Outra vez os Filisteus reuniram-se para atacar os israelitas e estes temeram. Samuel, porém, orou a Deus e ofereceu sacrifícios e “o Senhor trovejou com tão grande trovoada aquele dia que aterrou os filisteus, que fugiram, perseguidos pelos homens de Israel” (I Samuel 7).

SEGUNDO: Davi, porém, podia afirmar o que afirmou, não só pela experiência do passado, mas pela sua própria experiência.

Desde cedo ele experimentara a mão de Deus o ajudando, desde cedo aprendera confiar em Deus. Menino ainda matara um urso e um leão. Rapazote, dispõe-se a enfrentar o gigante Golias que estava para Davi na mesma proporção que um exército de carros e cavalos para um sem esses recursos. — “Não podes ir contra ele”, disse o rei Saul, “pois és moço, inexperiente, e ele é homem velho, experimentado na guerra”. Davi, com custo convenceu o rei de que poderia sair contra o gigante. O rei pôs nele, então, uma armadura. Davi tentou andar e disse: — “Nunca experimentei isso e não consigo andar”, e, tirando tudo aquilo, pegou a sua funda, enfrentou e venceu o terror de Israel (I Samuel 17).

Certa vez Davi tomou na guerra mil cavalos de carros e sete mil cavaleiros. De outra vez feriu sete mil cavalos de carros dos siros e suas tropas eram constituídas apenas de infantaria, porque Deus havia proibido aos reis de Israel a multiplicação de cavalos (I Crônicas 18 e 19). Não tinham cavalos nem carros, porque Deus os proibira, mas tinham o Deus de todos os exércitos e de todas as milícias como Comandante.

Tinha, portanto, Davi, então rei de Israel, razão vinda da experiência quando dizia: “Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus.”

Mas poderemos nós, formandos de 1963, dizer também isto? Temos nós razões? Como Davi, temo-as de sobra. De fato aprendemos que a confiança em Deus é milhares de vezes mais valiosa que a confiança em homens e em coisas terrenas. As fontes terrenas de confiança são várias, mas ao mesmo tempo mostram, pela sua inconstância, pelo seu poder limitado, pela sua breve duração, que são falhar, que em um momento ou outro nos podem faltar.

Mas, dizíamos, aprendemos a confiar em Deus pelas mesmas razões que Davi aprendeu.

PRIMEIRO: Porque a experiência daqueles que por aqui já passaram, daqueles que nesta casa um dia já “queimaram suas pestanas”, nos ensinou que compensa confiar em Deus, mesmo quando as coisas parecem ir de mal a pior.

Um pastor contava, certa vez, no Acampamento “Palavra da Vida”, a sua experiência. Estudava ele aqui, estava passando por dificuldades financeiras e não ia bem nos estudos. Estava quase desanimado de estudar, mas continuava porque recebia uma bolsa de uma igreja pobre que cobria apenas suas necessidades para com o estudo. Nessa situação, recebeu uma carta da dita igreja dizendo que, infelizmente, em virtude da situação lá não ser boa, não poderia mais dar-lhe a bolsa. Ia desistir de estudar, mas, antes, em conversa com um dos dirigentes, recebeu uma palavra de exortação para confiar em Deus. Foi para o seu quarto, orou, e na leitura da Escritura Sagrada encontrou a resposta de Deus para o seu problema: Ei-la, em Atos capítulo vinte e seis, versículo dezesseis: “Mas levanta-te, põe-te sobre os teus pés, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda”. Aquilo renovou-lhe as forças e o ânimo. O então rapaz decidiu que Deus realmente merece confiança e hoje é um dos eficientes pastores de nossa igreja.

Poderíamos citar outros exemplos, mas cremos que muitos aqui conhecem fatos similares, e são esses fatos, do passo, que nos fazem dizer como o salmista. Mas não é só.

SEGUNDO: A nossa própria experiência também nos autoriza a dizer: “Faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus”.

A nossa vida aqui é uma vida de confiança e de em Deus somente. Quantas vezes já temos sentido a mão de Deus nos trazer o auxílio de que necessitávamos, no momento exato. Na hora oportuna Ele vem e atende as nossas orações, Ele vem e ajuda. Essas experiências, materiais, são superficialíssimas, porém, se as compararmos com as profundas e espirituais demonstrações de ajuda divina em nossas vidas. Muitas vezes o estudante se desanima, quer pela dificuldade nos estudos, quer pelos anos que ainda tem por vencer, e nessas horas fica abatido, acabrunhado, sem saber o que fazer, derrotado por “carros e cavalos”. Mas quando se lembra de que se deve fazer menção do nome do Senhor, e faz isso, sente a mão divina levantá-lo, erguê-lo, soerguê-lo e colocá-lo num lugar onde ele jamais esperaria estar. Esses fatos são de nossa experiência, da experiência de cada um dos colegas.

Temos, por isso, razões para repetir as palavras do grande rei Davi, o homem “segundo o coração de Deus”. Fatos que o autorizaram a dizer aquilo no passado autorizam-nos, da mesma maneira,, a dizer o mesmo neste dia em que nos alegramos pela conquista desta vitória. Foi uma vitória que se seguiu a um combate, duro, na verdade, difícil de ser combatido, pois realizou-se em campos de batalha ásperos, pedregulhosos, ressequidos, com armas que muitas vezes não foram as melhores, mas tínhamos e ainda temos o Senhor dos exércitos como Comandante. E qual a conseqüência de confiar nEle, de tê-lO como supremo General de nossas lutas e batalhas? É o próprio Davi quem a dá, continuando o seu Salmo: ”Uns encurvam-se e caem, mas nós nos levantamos e estamos de pé”. Enquanto os que confiam em carros e cavalos “encurvam-se e caem”, eis-nos de pé, alegres, triunfantes, vitoriosos. A confiança em Deus é de fato bem recompensada. Não há melhor recompensa para aquele que luta que a vitória, e esta Deus nos concede nesta noite, por nEle havermos posto a nossa confiança.

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Não poderíamos, entretanto, ir embora, trilhar outros caminhas, seguir novos rumos, sem deixar aqui uma palavrinha sobre o “Conceição”, o nosso querido “Conceição”, que nos marcou profundamente, que deixou assinalada a vida e a personalidadede cada um de nós. Façamos isto.

Há alguns meses, quando em um trabalho com um grupo em São João da Boa Vista, externamos lá nossa opinião sobre o “Jota” baseando-nos em um poeta patrício, desconhecido da maioria, que vive em Americana: Antonio Zoppi. Diz ele, em uma simples quadra:

“Sapiência não se esmola,
deve ser adquirida:
na doce vida da escola
ou na acre escola da vida”.

Palavras sábias essas, e que servem para ilustrar e provar qual é a missão do JMC. Diríamos que o “Conceição” é o lugar adequado para jovens adquirirem, ou começarem a adquirir, o que o poeta chama de “sapiência”, ou seja, sabedoria que orienta a prática. No “Conceição” reúnem-se a doce vida de escola e a escola acre da vida.

É uma vida de escola porque é, como os outros, um colégio onde se aprendem as disciplinas acadêmicas básicas e fundamentais. Talvez só deva ressaltar o nível mais alto que o aluno deve alcançar para ser aprovado. No restante, o colégio é semelhante aos outros.

O queremos frisar, porém, é que o JMC é uma escola da vida, muitas vezes acre e difícil, onde muitos não conseguem permanecer. O ambiente, aqui, às vezes, é completamente diverso daquele que um calouro esperaria e ele sofre o impacto. Mas, passado o primeiro choque (que, muitas vezes, não é, infelizmente, ultrapassado, pois há calouros que chegam numa tarde e na manhã seguinte se vão, dizendo que não se acostumariam), o aluno sente que vai se modificando, vai tomando partidos, tirando opiniões próprias — coisas que antes não ousava fazer. Aos poucos, dando algumas “burradas” e pagando por elas o caro preço de uma impiedosa caçoada, o aluno vai se formando, vai aprendendo, na escola da vida, a tornar-se Homem. Ele que em casa nunca pensava em arrumar sua cama, agora arruma-a e bem. Ele agora limpa seu quarto, lava e passa sua roupa. Ele, que muitas vezes era um sucesso um sua cidadezinha natal, vê-se aqui completamente ofuscado por outros, já mais orientados e de maior experiência, e então sofre grande decepção. Mas esta lhe ensina que ele deve esforçar-se mais para ser alguém melhor, e, assim, ele vai sendo lapidado. Com o tempo, torna-se um “Manuelino”, na verdadeira acepção da palavra.

O aluno que saiu de casa acha no “Conceição”, na maior parte das vezes, a vida difícil e áspera, mas a vida onde ele se encontra a si mesmo, onde se desabrocha e demonstra o que poderá tornar-se.

Para os que saem de um lar o “Jota” é a vida independente e livre. Para aqueles, porém, que cedo perderam pais e família e viveram sem nunca encontrarem o aconchego familiar, o “Conceição” é lar e os Manuelinos, família. Parece paradoxo, mas é verdade. Quantos, sem lares, acharam aqui o lar que lhes faltava, encontraram aqui os irmãos que a vida negou ou a morte levou. O “Conceição” é a escola acre da vida, mas pode ser também o lar que porventura tenha faltado a alguém.

O “Conceição” tem, aproveitando a imagem de um de nossos professores, a missão de lapidar a pedra bruta e sem brilho que muitas vezes aqui chega. Então, ela começa a tomar forma, ganha brilho e aparece aos olhos do mundo como uma pedra preciosa. A outrora pedra bruta fica irreconhecível.

Deveríamos, neste instante, agradecer a pais, professores, igrejas, e todos quantos nos ajudaram, mas deixaríamos pessoas de fora. Agradecemos, então, a Deus, que nos trouxe aqui e fez com que tantos nos ajudassem. Agradecemos a Deus por tudo e pedimos que Ele abençoe a todos que, de uma maneira ou de outra, nos ajudaram. Ele recompensará cada um pelo que nos fez.

Nós, que no início não encontrávamos idéias para iniciar e desenvolver nosso discurso, acabamos falando demais. Não faz mal, porém, pois é a última vez que falamos como Manuelino e o ouvinte querido não levará em conta se nos estendemos muito. O culpado disso é este lugar inspirador e mesmo romântico que é o “Conceição”. Quando começamos a falar, é difícil parar.

Chegamos ao fim de nossa etapa no “Conceição”. Alguns, do Primeiro Ciclo, voltarão para fazer o Clássico, mas nós que não voltaremos mais já sentimos em nós a ternura da saudade. Quantas vezes dissemos que não víamos a hora de chegar o fim do ano. Mas, quando o fim do ano chega e nos vai levar embora, sentimo-nos como o lenhador que, cansado na floresta, invocara a morte. Quando esta chegou, ele, arrependido e assustado, pediu apenas que ela o ajudasse a pôr nas costas o feixe de lenha. Invocamos o fim de ano e ele chegou — e ficamos acabrunhados, desejando encontrar uma desculpa para adiá-lo um pouco. Amanhã, muitos de nós tomarão o trem para nunca mais voltar ao “Conceição” querido, como Manuelinos. Muitos voltarão, sim, mas como EX-Manuelinos, coisas do passado, nunca mais como Manuelinos. Hoje, nesta condição, ouviremos pela última vez a sinfonia dos sapos e dos grilos cantando, inspirados pelo céu do “Conceição”. Algum dia, no futuro, voltaremos aqui, e quantas recordações então nos virão à mente. O “Jota” será diferente, mas nos fará lembrar do de agora e teremos orgulho em termos sido Manuelinos.

Adeus, “Conceição”, praza aos céus que continues a ser o que tens sido, de maneira cada vez melhor. Adeus tudo isto que foi parte da gente durante tanto tempo.

Amanhã será um novo dia, e com ele começará uma nova etapa, uma nova vida, e é mister que trabalhemos. AVANTE POIS.

JMC, Novembro de 1963.

(*) Discurso de formatura proferido no dia 30 de novembro de 1963, no Auditório Waddell, no Instituto José Manuel da Conceição, em Jandira, SP.

Presidiu a cerimônia o Diretor do Instituto José Manuel da Conceição, Rev. Ruben Alberto de Souza, acompanhado pelos Vice-Diretores, Rev. Joaquim Machado e Profa. Maria Block Cruz. O Paraninfo, como mencionado, foi o Deputado Camilo Ashcar, e o Orador Sacro, o Rev. Adauto Araújo Dourado.

Formaram-se, naquela ocasião, no Segundo Ciclo (Colegial):

Airton Neves Ormond
Assir Pereira
Celso Martins
Cilas Gonçalves
Deoclécio Silveira do Amaral
Eduardo Oscar de Campos Chaves
Hamilton Felix de Souza
Hélio de Castro e Souza
Ireno Dias Ribeiro
Maria Helena Pires
Natanael Florenço do Amaral
Octávio Stradioto
Otoniel Marinho de Oliveira
Robert Nicholas Lodwick

Formaram-se pelo Primeiro Ciclo (Ginasial):

Benedito Barbosa de Souza
Carmelino Souza e Silva
Eunice Rodrigues de Sá
Getúlio Rosa da Guia
Hilze Schneider
Irma Chaves Eguez
Isauro Batista Carriel
João Rhonaldo de Andrade
Judith Augusta dos Santos
Lindolfo Teixeira
Maria Altina Felix da Silva
Mário de Oliveira Mello
Nivalda Barbosa Franco
Paulo Cosiuc
Renée Myriam de Camargo
Ronan Pereira da Silva
Rubens Faria
Sueli Barbosa Cavalcanti
Vera Lúcia Felício Papa
Vera Lúcio Monteiro Saldanha

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Trasnscrito aqui em 7 de Março de 2010

Relato e Impressões de um Encontro em Junho de 1998

Relato do Encontro dos Ex-alunos em 20 de junho de 1998:

Sábado, 20 de junho de 1998, à noite.

Estou em casa, em Campinas. Faz algumas horas que voltei de mais um encontro dos Manuelinos em Jandira. Geralmente sinto-me muito cansado depois desses encontros: as emoções, quando exercitadas, podem também nos deixar exaustos. O coração vai ficando apertado, parece que se torna pequeno para conter as emoções. É um pouco assim que ainda me sinto. Para complicar ainda mais a situação, os sentimentos, hoje, foram um pouco desencontrados: de um lado, a alegria de encontrar amigos, velhos e novos; de outro, a tristeza de ver a “selva de pedra”, as quase-favelas, os semi-cortiços, as fábricas abandonadas, que hoje se levantam em locais outrora quase sagrados.

Cheguei cedo a Jandira hoje. Não planejei isso – embora, sendo filho de mineiro, quase sempre chegue antes. Eram 8 horas e já estava no JMC. Ninguém lá. Aproveitei o tempo para rodar um pouco pela cidade. Fui primeiro até à Figueira, que havia visitado apenas uma vez enquanto estive no JMC. Pude vê-la de longe, do centrinho da cidade, em meio a um monte de casas. Fui virando nas esquinas esquisitas de ruas tortas e acabei por encontrar a Figueira — razoavelmente bem preservada, apesar de que, pelo que consta, alguns vândalos atearam fogo a ela algum tempo atrás. Foi preciso chamar técnicos do IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica) para restaurá-la. Pela aparência, fizeram um bom trabalho. Detrás de uma cerca de ferro (que, entretanto, tem portão sem cadeado), ela não estava tão viçosa, talvez por causa da época do ano. Perguntei a algumas pessoas que estavam por ali se ela ficava bonita na Primavera e no Verão e eles disseram que sim. Isso já me confortou um pouco.

A Figueira fica hoje numa praça que se chama, com muito pouco originalidade, “Praça do Figueirão”. Segundo as mesmas pessoas, que ali estavam jogando conversa fora às 8 da manhã, este é o nome oficial da praça, não é apelido. Acho pouco provável que não tenham ainda encontrado um político local para emprestar seu nome à praça, adornando com ele uma eventual placa, hoje inexistente. Mas, de qualquer forma, achei engraçado que, para os Manuelinos, a árvore seja “a Figueira”, assim, no feminino. Mantida a falta de originalidade, preservado o gênero original, e acrescentado o grau aumentativo, a praça deveria chamar-se hoje “Praça da Figueirona”. Mas nem Figueirão nem Figueirona soa bem: pessoalmente prefiro simplesmente “Praça da Figueira”.

A praça, em si, achei-a muito feia, horrível mesmo: no máximo uns 100 m2 de cimento, talvez nem isso, com uns bancos de concreto e a bandeira do Brasil pintada no chão (em honra à Copa do Mundo). Deviam pelo menos ter reservado mais espaço à árvore que hoje é símbolo de nossa Associação. Provavelmente não foram Manuelinos os que lhe destinaram espaço tão minguado e tão pouco romântico. O lugar pitoresco em que a Figueira se localizava hoje ficou feio, cheio de casas grudadinhas, muitas não terminadas, com 2 ou 3 andares, de tijolo baiano à vista, descendo morro abaixo em ladeiras íngremes. O lugar não inspira. Não me parece que casais apaixonados namorem ali, nem que tentem eternizar no tronco da figueira amiga o romance que os une.

Por falar em morros e ladeiras íngremes, não me recordava de que a topografia de Jandira fosse assim tão acidentada, tão cheia de altos e baixos. Mas a visita à Figueira fez com que as emoções acompanhassem a topografia, com altos e baixos.

Procurei também o que, pelo menos para nós (então) rapazes, era outro símbolo, a Casa das Moças, mas em vão. Ela parece ter simplesmente desaparecido, junto com as casas dos professores e do zelador que ficavam além do Jordão. Várias fábricas estão no local em que a Casa das Moças ficava, algumas delas totalmente abandonadas, com vidros quebrados e mato crescendo por todo lado. Provavelmente se tornaram esconderijos de marginais. Da romântica ponte sobre o Rio Jordão nada resta. As frondosas árvores que emolduravam a casa sumiram com ela.

Margeando o Jordão há, do lado da Casa das Moças, uma estradinha de terra, pela qual me aventurei, mas tive que recuar – barro, lixo e entulho impediam a passagem. Consegui achar um caminho asfaltado que passa por trás de onde ficaria a Casa das Moças, estivesse ela ainda lá, e cheguei a um bairro muito pobre de Jandira, chamado Jardim Márcia. Tudo muito feio e sem o romantismo de outrora.

No caminho para a cidade, indo pelo que um dia foi a estradinha que levava ao campo de futebol, localizei as casas do Diretor e dos professores, que estão hoje sendo usadas pela Prefeitura. Numa delas tive aulas de Inglês com Dona Margarida Landes. O que restou das casas foi drasticamente alterado, a fachada virtualmente removida, os tijolinhos pintados de branco. As casas não possuem recuo nenhum – ficam à beira da calçada de uma rua bastante movimentada que passa ao lado da Rodoviária, que, por sua vez, fica atrás da Estação da antiga Sorocabana, hoje FEPASA. Onde ficava o campo de futebol há uma praça. Mas é difícil precisar a localização das coisas antigas.

Não há mais passagem de nível sobre a linha férrea. Construíram, desde a última vez que estive em lá, um viaduto sobre a linha do trem, que recebeu o nome de Viaduto Instituto José Manuel da Conceição. O nome é mais do que apropriado porque, afinal, a parte mais alta do viaduto passa exatamente em cima de onde ficava o portão de entrada, que ostentava o querido letreiro designando a escola. O viaduto se inicia ali abaixo da antiga quadra de basquete, onde passava a já mencionada estradinha que levava ao campo de futebol, e vai subindo: passa bem na entrada da escola, atravessa a linha, faz uma curva para a esquerda (de quem está indo do centro da cidade para o lado oposto da linha) e começa a descer para desembocar já adiante da estação do trem. Seguindo reto, ao sair do viaduto, chega-se ao trevo de Jandira, na Castelo Branco, uns três quilômetros à frente. Do trevo se pode ir para Itapevi, Cotia e Aldeia da Serra (ou, naturalmente, pegar a Castelo Branco).

Margeando a linha do trem, bem no rumo do JMC, há uma estrada de duas pistas ligando a estação de Jandira à estação de Barueri. Na estrada há um hospital, no alto do morro, com acesso difícil. Passando por trás do Auditório Waddell (hoje Luiz Gonzaga), há outra estrada, que também leva à estação de Barueri, juntando-se à primeira já no centro desta cidade. Nessa estrada há uma enorme escola do SENAI, tão vizinha do JMC que parece ter sido construída em terreno outrora manuelino. Não é impossível. Por qualquer das duas estradas em um minuto, de carro, se chega a Barueri. Na minha lembrança Barueri era muito mais longe. Rodei um pouco pela cidade. Minha única lembrança de Barueri é que foi lá que tirei meu Certificado de Reservista de Terceira Categoria, dispensado de servir o exército no final de 1963, por excesso de contingente. Olhando, em retrospectiva, o que aconteceu poucos meses depois, em Março/Abril de 1964, a dispensa do serviço militar talvez tenha sido uma das melhores coisas que me ocorreram: poderia ter estado a serviço do exércido no momento da Revolução.

De qualquer forma, de Jandira tinha memórias melhores. Voltei para lá.

Tomando agora a direção oposta, fui até Itapevi, por uma rua de trânsito complicado. Bem mais perto do que imaginava, também – mas muito morro, muita lombada (quebra-mola), pouco lugar bonito. A Jandira de 40 anos atrás era bem mais pitoresca – pelo menos na memória. Teria valido a pena ficar só com as imagens da Jandira antiga, que habitam a memória? Será que, daqui em frente, quando pensar em Jandira, serão essas imagens feias que me virão à mente? Dizem que quando a gente vai ficando velho se lembra mais fácil de episódios antigos do que de recentes. Espero que, no caso de Jandira, a regra não abra exceções.

Dentro do “campus” o antigo Quarteirão Teixeira parece mais cortiço ou favela do que local habitável – embora more gente lá. Aquele quarteirão onde se faziam cultos e havia a sala de estudos está razoavelmente bem preservado: é ele que estamos solicitando em comodato à Prefeitura de Jandira. O Edifício Harper está pintado, mas foi muito modificado por dentro. O soalho precisa ser substituído, pois dá uma desagradável sensação de que vai afundar quando a gente anda. No prédio fechado há um inconfundível cheiro de mofo. Lá funcionam vários órgãos da Prefeitura. O Auditório Waddell ganhou uma frente nova, que comporta salas adicionais, onde, aparentemente, funciona a Secretaria da Cultura. A Câmara Municipal, em cujo auditório nos reunimos, fica onde se localizava o refeitório, as alas de quartos que o ladeavam e o QG. O prédio pelo jeito é novo — devem ter demolido os prédios antigos.

O lado bom de tudo é que ao encontro, propriamente dito, compareceram 42 ex-alunos, alguns acompanhados de membros da família. Adiante dou a lista dos nomes. As classes de 45 a 52 foram as mais bem representadas, porque eram do tempo do Takashi e ele fez mais de 100 ligações convocando o pessoal que ele conhece. Se todos tivéssemos feito o mesmo, haveria centenas de pessoas lá.

A reunião foi boa. Conduzi os trabalhos, a pedido do Takashi, e o Gerson Correia Lacerda, um dos pastores da Igreja Presbiteriana de Osasco, fez o devocional. Abri o encontro falando um pouco sobre memória – transcrevo o texto também a seguir. Cantamos o Hino do JMC, Tuas Obras Te Coroam, e a Bênção Araônica. Esta ficou tão bonita, regida pelo Elias Medeiros, que resolvemos cantá-la de novo.

O Takashi mostrou a todos a bandeira do JMC que ele mandou confeccionar com recursos de uma doação feita por Roy Jr e Annabel Harper, filhos do casal Harper. A bandeira estava linda, em suas cores branca, verde e vermelha, com a Cruz de Malta no meio. Todos ficamos gratos aos Harpers e ao Takashi pelo resgate de mais um símbolo.

Uma coisa ficou clara quando da discussão de questões práticas: os Manuelinos querem saber por que o JMC foi fechado e o que aconteceu com a propriedade. Está claro que parte da propriedade foi desapropriada pela Prefeitura. O que não está claro é se a Prefeitura pagou pelo que ela desapropriou ou, se pagou, o que foi feito com o dinheiro. Também está claro que boa parte da propriedade foi vendida para particulares (como, por exemplo, as fábricas que hoje se localizam do lado da Casa das Moças). O que não está claro é por que isto foi feito e o que se fez do dinheiro. Parece que uma parte da propriedade ainda pertence à Fundação Educacional Presbiteriana. Outra coisa que desperta a curiosidade dos Manuelinos é por que foi criado um Seminário com exatamente o mesmo nome do Instituto: haveria algum benefício previsto para uma instituição chamada “José Manuel da Conceição” em algum documento (como, por exemplo, Estatutos do Instituto Mackenzie), que os Manuelinos desconhecem?

O que provocou acalorada discussão foi o fato de que, segundo alguns, a Igreja Presbiteriana, através de seus vários órgãos e líderes, não parece ter interesse em revelar o que aconteceu, dando aos fatos a transparência que merecem. Contatos com representantes da Fundação Educacional Presbiteriana têm se revelado infrutíferos e correspondência enviada a líderes a Igreja, até mesmo ao Rev. Guilhermino Cunha, Presidente do Supremo Concílio (e que foi meu colega em Pittsburgh), não têm sequer merecido resposta. Aqueles Manuelinos que ainda militam dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil tendem a dar um crédito, ou, pelo menos, o benefício da dúvida, à Igreja e aos seus líderes, afirmando que estes não devem ter nada a esconder. Mas incumbe-lhes, pela posição que ocupam, ou assim nos parece, aos outros, ajudar-nos a entender o que se passou.

Enfim, terminada a discussão e concluídos os trabalhos planejados cantamos “Teus Lindos Olhos”. Os olhos de muita gente ficaram cheios de lágrimas. Em seguida fomos almoçar num restaurante da cidade, onde a feijoada estava excelente, acompanhada que foi de laranjas trazidas pelo Waldir Rickli de Prudentópolis, no Paraná (perto de Guarapuava). Lá pelas 15 h todo mundo estava indo embora, e eu voltei para Campinas passando por Santana do Parnaíba para chegar à Anhangüera. Mais cenários deprimentes.

Muitos colegas que regularmente comparecem aos encontros faltaram. Por outro lado, tivemos aqueles que compareceram pela primeira vez, como o Rev. Samuel José de Paula (1949-1951), que não só foi mas levou a mulher, filhos, nora, e netos. O Rev. Samuel mora em Santa Bárbara d’Oeste, SP. Seu filho, Samuel Jr, que estava lá, e que é pastor em Sumaré, SP, deixou hoje à noite uma mensagem no site do JMC. Outros presentes (deixando de lado os títulos): Takashi Shimizu, João Rhonaldo de Andrade, Sueli Barbosa Cavalcanti Jardim, Josué e Isva Xavier, Lucila Guimarães (que regeu o grupo em dois hinos), Lucy Guimarães (que apresentou relatório sobre o andamento das tratativas com a Prefeitura de Jandira e com a Igreja Presbiterana), Adhemar Godoy e senhora, Olson Pemberton e senhora, Elias Marques Ferreira, Alírio Camillo, Dalila Alcântara Fernandes (que tocou teclado, acompanhando os hinos), Oscar Ciola, Pedro Okada, Loyde Faustini, Martha Faustini Egg, Dirce Pacheco, Daniel Veriano Raquel, Waldir Rickli e vários membros da família, Renato e Helena Salum, Jairo Jacó, Amauri Randolli, Gerson Correia Lacerda (que conduziu o devocional), Israel José Nunes, Renée Myriam de Camargo Lucarelli, Felícia Ribeiro, Eunice Costa, Elias Moreira (que regeu a Bênção Araônica e nos acompanhou ao teclado, de ouvido, quando cantamos “Teus Lindos Olhos”), J. Calixto Silva, João de Souza Carvalho (“Coutinho”) e Márcia, sua mulher, também Manuelina, Oswaldo Pinho Monteiro, Roseli e Eunice, filhas do Sr. João e Dona Romilda, acompanhadas de membros das famílias, Rute Arce (com fotos da família!), Ney da Costa Carvalho, Ezequiel Ruperti e senhora, Enil Alves e senhora, Célia Morais Profeta, e eu. Quarenta e dois Manuelinos ao todo. Se porventura deixei de fora o nome de algum Manuelino, peço, além de desculpas, que me informem para que corrija.

No encontro foi distribuído mais um número do nosso boletim, que já está quase totalmente on-line, visto que contém a biografia dos Harpers, escrita pelos filhos, e o meu relato do culto de 7 de Fevereiro.

Para concluir, incluo aqui o texto que serviu de base para minhas palavras de boas vindas aos participantes do encontro. Se precisasse de um título, eu o chamaria de “Identidade e Memória”. Parte do texto é retirada de uma versão preliminar de minha autobiografia, que lentamente começa a ganhar corpo, com o título provisório de “Pedaços de Mim Mesmo”.

Queridos Manuelinos:

O Takashi me pediu para coordenar os trabalhos aqui hoje (20/6), neste nosso encontro anual em Jandira. O Gerson Lacerda se responsabilizará pela parte devocional, nós vamos cantar e vamos discutir algumas coisas práticas. Mas eu não poderia deixar de iniciar esta reunião fazendo algumas reflexões com vocês. Parte do que vou dizer já disse antes. Outra parte foi se cristalizando na minha mente à medida que pensava em algo interessante para dizer aqui hoje. Sou filósofo. Por isso minhas reflexões não deixarão de ter um tom meio filosófico.

John Locke, filósofo inglês do século XVII, defendeu a tese de que nossa identidade pessoal é totalmente dependente de nossa memória. Ele argumentou de várias formas em defesa dessa tese. Mas, no fundo, ele achava que a tese era bastante auto-evidente. Ele propôs o seguinte “experimento teórico” aos seus leitores. Imaginemos que numa determinada cidade vivam um príncipe e um sapateiro. Eles nunca se encontraram e não se conhecem. Uma bela amanhã, entretanto, o sapateiro acorda totalmente sem as suas memórias, mas com as memórias do príncipe, e diz: “O que estou fazendo aqui neste local imundo? E com essas roupas horríveis? Mordomo! Onde você está?” Nada de mordomo. “Rainha, onde você está?” Nada de rainha. No lugar dela aparece a mulher do sapateiro. O príncipe diz: “Quem é você? O que estou fazendo aqui? Onde está meu mordomo?” Etc. (Os diálogos estou inventando, não são de Locke). Por outro lado, o príncipe acorda totalmente sem as suas memórias, mas com as do sapateiro, e também desconhece o local em que está, sentindo-se perdido no palácio, querendo ir embora para sua casa na periferia da cidade. Segundo Locke, se isso acontecesse, nós sem dúvida diríamos que o príncipe e o sapateiro haviam trocado de identidade. Pura e simplesmente.

Há muito a favor da tese de Locke. Quando alguém tem amnésia total, em virtude algum acidente ou de alguma doença, passa, em um sentido importante do termo, a ser outra pessoa. Começa vida nova. Adquire nova identidade. Há um filme de Harrison Ford em que isso acontece com ele.

Também há um livro de ficção científica famoso, escrito por Robert Heinlein, em que se defende tese semelhante, I Will Fear no Evil (Não Temerei Mal Algum), em que o cérebro perfeitamente sadio de um velho cujo corpo era mantido vivo por instrumentos, e que era podre de rico, é transplantado para o corpo de uma linda moça, sua secretária. O autor gasta uma boa quantidade de páginas argumentando que o a pessoa que passou a existir no corpo da moça era o velho, que mudou de corpo – porque as memórias preservadas no cérebro transplantado eram as do velho, e, portanto, a identidade que permaneceu deveria ser a sua, a despeito do corpo.

Para que tanta discussão desse problema?

Porque acredito piamente que Locke estava certo e que é a memória a base da identidade pessoal. Na verdade, acredito que a memória é também a base da identidade de um povo ou de um grupo. É por isso que os Israelitas tinham que constantemente se lembrar de sua história. Preservar a sua história é manter a identidade de um povo ou de um grupo. Cultivar a memória é uma forma de manter a identidade em uma pessoa. Aquilo que eu esqueço deixa de ser parte de mim.

Algumas vezes no passado me perguntei se ainda era protestante. Hoje não tenho dúvida. O Rubem Alves me convenceu de que sou. Sou, porque fui. Sou, porque vividamente me lembro de ter sido. Ser protestante é parte de minha memória viva, e, portanto, uma parte inextricável de minha identidade.

Outras vezes no passado me dei conta de que ainda continuava amando as mulheres que amei. Hoje isso não me assusta, mais. Amo, porque amei. Amo, porque vividamente me lembro de tê-las amado. O amor que um dia senti de determinada forma é parte de minha memória viva, e, portanto, parte de minha identidade como pessoa, e, assim, ainda existe, ainda que não se expresse da mesma forma exterior.

Talvez essas considerações expliquem o que sinto pelo JMC – o que todos sentimos, acredito. Não gosto de me rotular, nem que me rotulem, de ex-Manuelino. Sou Manuelino até hoje. Sou, porque fui.

O que me causa espanto é que essa parece ser a experiência de todos os Manuelinos. Há uma surpreendente unanimidade entre os Manuelinos, que é o sentimento terno e carinhoso que mantêm pela escola. Basta olhar as mensagens deixadas no site. Uma vez Manuelino, sempre Manuelino. Somos Manuelinos, porque fomos. Somos, porque essa escola vive em nossa memória como uma das passagens mais importantes da nossa vida. Somos, porque é impossível que alguém realmente nos entenda hoje, num sentido profundo, sem entender o que essa escola significou para nós.

Lembro-me do que me contou o Dorival Xavier, no culto de 7/2/98. Disse-me que imprimiu minha vinheta sobre o JMC e fez cópias para seus filhos, dizendo: “Leiam isso aí, para que vocês saibam o que significa ser Manuelino”. Senti-me mais ou menos assim como deve ter se sentido o escritor sagrado, contando a história do povo de Israel, para que as novas gerações não perdessem a sua identidade.

A última turma a cursar o JMC o fez cerca de trinta anos atrás, em 1969. É possível que daqui a 50 anos não haja mais nenhum Manuelino vivo. A MENOS QUE ser Manuelino passe a ser mais um estado de espírito do que uma condição histórica. A MENOS QUE ser Manuelino passe a ser assim algo semelhante a ser Judeu, que mesmo sem ter nascido na Palestina, mesmo sem pátria, no exílio ou na diáspora, continuou a ser Judeu – porque se lembrava do Senhor seu Deus que o tirou da terra do Egito.

O nosso esforço com esta Associação, como eu disse na abertura do site do JMC na Internet, é não permitir que a memória do JMC se perca, é preservar a memória, e, portanto, preservar a identidade do Manuelino – e, de certo forma, dar continuidade à raça, mesmo que de forma virtual.

Hoje, com computadores, grande parte da nossa memória está armazenada não no nosso cérebro, mas em meios magnéticos. Nossos computadores hoje passam a fazer parte de nossa identidade. O mesmo se dá no caso do JMC. O site do JMC na Internet é indispensável para a continuidade da raça. Como é o museu. E muitas outras coisas.

Já resgatamos nosso hino. Hoje temos aqui nossa bandeira, de novo, num trabalho de resgate histórico fenomenal do Takashi. Depois teremos nossas camisetas, nossos agasalhos. Aos poucos vamos recuperando fotos, histórias, objetos. Essas coisas são importantes, contudo, apenas pelas memórias que elas evocam e representam.

A esperança, dizia um professor meu do Seminário de Pittsburgh, se fundamenta na memória. Nós somos o que fomos, é verdade – mas somos também o que desejamos e esperamos ser. Nós somos o resultado dessa mescla de lembranças e sonhos, recordações e desejos, memória e esperança. O povo de Israel confiava na vinda do Messias (tinha esperança) porque se lembrava de que, no passado, Deus havia estado ao lado do seu povo (porque tinha memória).

A memória, já temos. Precisamos agora trabalhar para dar corpo ao nosso sonho. É a parte mais difícil, porque a memória é aquilo que foi – mas o futuro está aberto, pode ser o que sonhamos, e os sonhos são muitos, e muitas vezes incompatíveis. Mas é preciso trabalhar para procurar definir um horizonte na direção do qual caminhar.

É por isso que estamos mais uma vez aqui. Bem-vindos a esse novo encontro dos Manuelinos.

Jandira, SP, 20 de Junho de 1998

Eduardo Chaves

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Transcrito aqui em 7 de Março de 2010

Os 70 Anos do JMC: Relato e Impressões

[Adiante, o texto completo do Quarto Boletim da Associação Alumni/Alumnae do “Instituto José Manuel da Conceição”, que publiquei em 1998, ano em que o JMC comemorou 70 anos] 

Quarto Boletim
Jornal do JMC
Órgão da Associação Alumni/Alumnae do “Instituto José Manuel da Conceição”Ano III (1998), Número 4

Manuelinos comemoram o 70º aniversário do Conceição

Reunidos na Catedral Evangélica, da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, a partir das 15 horas do dia 7 de fevereiro próximo, os ex-manuelinos estarão comemorando, com um culto, o 70º aniversário da fundação do Instituto José Manoel da Conceição. A Associação Alumni/ae do JMC coordena o encontro.

No texto:

Vamos erguer o Memorial do Instituto JMC? Você é quem decide!

“Faça da vida um sonho, e do sonho uma realidade” dizia Mme. Curie. Sem utopia, a vida não tem sentido.

O Instituto José Manuel da Conceição (o JMC) que funcionou em Jandira, desde 1928, foi inexplicável fechado em 1970.

Aquela excelente escola não existe mais, em Jandira.

Hoje (8/fevereiro/98) estaria completando 70 anos de existência. Mais de 2.700 alunos passaram por aquela Instituição. Hoje, estão espalhados pelo Brasil inteiro, na América Latina e no resto do mundo. Muitos são pastores, ministros das Igrejas. Outros educadores, lecionando nas diferentes universidades do Brasil.

Mas bem disse o prof. Eduardo Chaves, da UNICAMP: nós, os “manuelinos”, nos recusamos a permitir que seja feito um obtuário do Instituto José Manuel da Conceição. “Na nobre tradição Protestante”, e na palavra viva (viva vox) que traduz nossas memórias, declaramos vivo o “JMC”.

Hoje, o JMC está vivo, em cada um de nós, espalhados pelo Brasil inteiro.

E este Encontro Nacional dos “manuelinos” é uma prova concreta de que o JMC ressuscitou e ainda vive. Como temos insistido nos Boletins da Associação, o JMC é você, onde quer que esteja.

Mas falta apenas uma coisa para que o JMC continue vivo em cada um de nós… é preciso que formemos uma rede (net) de manuelinos. A Associação Alumni/ae do Instituto JMC quer ser esta rede de conexões, entre os manuelinos espalhados pelo Brasil e pelo mundo…

E para estarmos atualizados e globalizados já estamos navegando no WWW World Wide Web (grande onda mundial). Para que a rede de manuelinos se fortaleça, sugerimos, que em cada Estado se forme um núcleo. Infelizmente, o Brasil é muito grande e é quase impossível reunirmo-nos sempre num só lugar.

A Associação tem muitos sonhos e muitas utopias.

Queremos erguer o Memorial do Instituto JMC, em Jandira para deixar ali um marco de sua existência. Gostaríamos de solicitar ao Fundo Educacional Presbiteriano que nos ceda uma área para construção desse Memorial, e também uma verba (que ainda resta da indenização). Poderíamos construir uma Capela e uma Biblioteca que no futuro pudessem se constituir num Centro de Estudos Bíblicos e Teológicos.

A Associação também já enviou cartas ao Prefeito de Jandira e à Câmara Municipal solicitando a Cessão em Comodato do prédio onde funcionavam a biblioteca e os cultos (três salas). Ali temos o projeto de instalar a “Casa da Memória do Instituto José Manuel da Conceição”.

Então… que mais nos falta? Só falta você na associação Alumni/ae para formar a rede de manuelinos, pelo Brasil e pelo mundo.

Ex-Padre e Pastor José Manuel da Conceição 

“O Padre José”, extraído do livro entrevista com Ashbel Green Simonton, Editora Ultimato, págs. 43-46)

José Manoel da Conceição nasceu em São Paulo, seis meses antes da Independência do Brasil, em março de 1822. Mudou-se para Sorocaba em 1824 e foi educado pelo tio, o padre José Francisco de Mendonça. Começou a ler a Bíblia aos 18 anos. Pouco depois, travou amizade com uma família inglesa e várias famílias alemãs, todas protestantes, e ficou impressionado com a vida religiosa deles.

Naturalmente devoto, abraçou a carreira sacerdotal, tendo sido ordenado padre aos 22 anos. Exerceu o sacerdócio de 1844 a 1864, sempre na Província de São Paulo: Monte Mor, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e Brotas. Os paroquianos gostavam muito dele. Por seu apego à Bíblia e por sua simpatia aos protestantes, ganhou o curioso apelido de “O Padre Protestante”.

Atraído pela simplicidade do evangelho e pela Reforma Religiosa do Século XVI, Conceição deixou o sacerdócio católico em setembro de 1864, dois meses antes de o papa Pio IX publicar a encíclica Quanta Cura, que continha o famoso Silabo de Erros – uma lista de 80 erros modernos que deveriam ser repudiados pelas autoridades católicas, entre eles a total liberdade de culto e de imprensa. Tornou-se membro da igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, organizada dois anos antes pelo primeiro missionário presbiteriano a vir para o Brasil.

Antes de ser ordenado pastor evangélico em dezembro de 1865, há 130 anos, Conceição dedicou-se à evangelização de seus amigos paroquianos em Brotas, interior de São Paulo. Graças ao seu testemunho e a sua pregação, os missionários pioneiros organizaram em Brotas a terceira Igreja Presbiteriana brasileira.

A conversão de Conceição mudou por completo o quadro e o avanço da obra missionária protestante no Brasil. A dedicação dele a Jesus Cristo era muito grande, e o seu ministério itinerante era muito bem sucedido. Ele ardia de paixão pelas almas perdidas e pelos excluídos. Conceição tinha um temperamento muito especial. Não era capaz de ficar parado atrás de uma mesa, de gastar tempo com a organização eclesiástica, nem de assumir um pastorado fixo. Não se sentia atraído pelos grandes centros urbanos nem por pessoas bem vestidas. Era um incorrigível pregador de vila em vila. Hospedava-se em qualquer lugar e não se aproveitava de ninguém. Pregava, curava e desaparecia sem mais nem menos. Às vezes, deixava um bilhetinho, agradecendo a hospedagem ou dizendo que tinha ido embora. Nunca dizia para onde, porque ele mesmo não tinha um itinerário antecipadamente traçado. Viajava, a pé, distâncias enormes, às vezes de uma província para outra. Comia pouco e se contentava com qualquer comida. Sofria pressões do clero católico. Não poucas vezes era expulso de uma vila, ameaçado de morte, chamado de apóstata, anticristo e até de pastor louco.

Conceição era de uma simplicidade incrível, não obstante fosse muito preparado: sabia comunicar-se com os estrangeiros em suas próprias línguas, traduzia livros do inglês, do francês e do alemão, e tinha noções de medicina. Chegava a se vestir mal, roupa surrada demais. A herança que recebeu da família foi toda distribuída com obras de beneficência. Preocupava-se demais com os outros e muito pouco consigo mesmo. Embora desimpedido do voto do celibato por ter se desligado de Roma, o Padre José, como era chamado, nunca se casou, e sua pureza de vida sempre estava fora do alcance de qualquer maledicência. Não era servil aos missionários americanos, não obstante ser o único obreiro nacional no meio deles. Por causa de sua experiência na Igreja Católica, morria de medo de uma igreja excessivamente organizada. Realizava um ministério diferente dos missionários, e o seu trabalho era o que crescia mais. Conceição sonhava com um movimento profundo de reforma nos sentimentos e experiência religiosa do povo, aliado ao esclarecimento bíblico, que tornasse possível a criação de um cristianismo brasileiro puro e evangélico, mas enraizado nas tradições e hábitos populares.

Conceição gastou vinte anos como sacerdote católico (dos 22 aos 42 anos) e oito anos como pastor protestante (dos 43 aos 51 anos). Morreu no dia em que mais uma vez se comemorava no Império do Brasil e do mundo inteiro a encarnação do Verbo, a 25 de dezembro de 1873. Morreu dormindo, na Enfermaria Militar do Campinho, no Rio de Janeiro, depois de ser atendido por um médico e um farmacêutico e depois de pedir para ficar a sós com Deus. Mas seu corpo está sepultado ao lado do fundador da Igreja Presbiteriana no Brasil, o missionário Ashbel Green Simonton, no Cemitério dos Protestantes, anexo ao Cemitério da Consolação, nas proximidades do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Na lápide de Conceição está gravado: “Não me envergonho do Evangelho de Cristo”.

Hino do Instituto José Manuel da Conceição

Os efeitos da luz nos surpreendem
Nestes campos banhados de sol.
Relvas, flores, campinas resplendem
Como as tintas de um claro arrebol.

Estribilho:

Luz é vida, esplendor, harmonia,
Saturemos nossa alma de luz.
Que seus dons seu encanto magia,
No Brasil se derrame a flux.

E a ciência qual sol ressurgindo
Luz, espelha e beleza em redor:
Esplendendo, saneando, fulgindo
Torna a vida mais bela e melhor.

Mas de vida mais alta ciência
Do evangelho se ostenta imortal.
De perene divina influência
Saneadora do mundo moral.

Sob o signo ouro azul do Cruzeiro
De fé viva um clarão irrompeu:
“Conceição” da verdade luzeiro,
Que em Jandira o amor acendeu.

(Joaquim S. Costa, 1967)

William Alfred Waddell: Uma Vida a Serviço de Um Povo

Quando no início de minha carreira de jornalista me foi sugerido escrever a biografia de William Waddell, encarei a tarefa simplesmente como mais um trabalho. À medida em que as pesquisas foram se desenvolvendo, contudo, passei a considerar a oportunidade um grande privilégio. Waddell era uma figura notável, digna de ser biografada pelos maiores escritores. Hoje, estou convencido de que essa missão constituiu uma grande benção. Sobretudo, porque afeiçoei-me ao gênero e acabei escrevendo inúmeras reportagens e vários livros na mesma linha. Efetivamente, conhecer Waddell, mesmo após a sua morte, foi um presente de Deus.

Pudesse a natureza pressentir os grandes eventos, e por certo as flores de setembro, no dia 8, no ano de 1890 teriam irradiado uma alegria mais viva, teriam anunciado com expressão mais ardente e mais vibrante aos cidadãos paulistanos que o desenvolvimento já então impresso a seu tão promissor e querido Brasil estava para tomar um novo impulso. É que a esta data lançava-se em seus férteis campos espirituais uma semente nova que se haveria de desabrochar em tronco dos mais vigorosos.

Eram os germens do saber que prepara um povo para trilhar as rotas do progresso, e do cristianismo que alia ao saber o sentimento altruísta e ressalta no homens as suas características divinas, lançados em solo brasileiro, latentes e ocultos, na figura vigorosa de um daqueles nossos bravos irmãos da outra América que se entregavam à evangelização do Brasil. Era William Alfred Waddell que aportava nas praias onde Anchieta e Nóbrega já se haviam esvaído na mesma missão e no mesmo intuito.

Homens de raros talentos, chegava ao Brasil depois de haver graduado, com distinção, em engenharia e teologia na sua terra natal.

Nos EUA

Nascera a 5 de Fevereiro de 1862, na cidadezinha de Bethel, em Nova York, EUA. Em 1882 colara grau no Union College, na cidade de Schenectady, em N.Y., onde, desde o início de seus estudos havia conseguido conquistar os primeiros prêmios de aproveitamento. Sentindo-se chamado para o sagrado ministério, ingressou no seminário de Princeton em 1884, conseguindo abreviar para 2 anos o curso que normalmente deveria ser feito em 3, foi licenciado para o presbitério de Albany em abril de 1886.

Sua profissão de fé, ele a fizera perante o Rev. T. Darling e os irmãos da igreja Presbiteriana de Schenectady, no outono de 1881. Mais tarde, ele mesmo

Pastor licenciado, seu primeiro campo foi a Igreja Presbiteriana de São Pedro, na Califórnia, de que assumiu a presidência do Conselho em “caráter de experiência”, no ano de sua licenciatura. No dia 10 de abril de 1887, o Presbitério em Los Angeles consagrou-o definitivamente a Deus, ordenando-o na cidade de San Diego. Durante os anos de 1887 e meados de 1890, consagrou-se à Igreja de São Pedro. No fim desse ministério, seus olhos se voltaram para as ricas searas do Brasil, onde Simonton,Blackford, Chamberlain e tantos outros “valentes de David” – como insiste Júlio Andrade Ferreira em chamá-los, semeavam a mancheias.

A 19 de setembro, ingressava na missão Brasil Central, em São Paulo. A partir de então, se entregaria a um profícuo ministério – que também foi magistério, como veremos a seguir.

No Brasil 

Inteligência rara, conhecimentos profundos e com uma didática quase perfeita, Waddell foi encaminhado para o então embrionário Mackenzie College.

Por volta de 1890, o Dr. Horácio Lane recentemente eleito diretor da Escola americana,sente-se na obrigação de introduzir os métodos de ensino superior americanos no Brasil, de vez que “as escolas do governo não podem fazer essas experiências com êxito”. ‘’O plano foi experimentado: iniciou-se a preparação de cursos preparatórios, cursos superiores literários, de ciência pura e de ciência aplicada ( que foi mais tarde denominado Curso de Engenharia)”.

Há cerca de 2 anos, uma comissão de educadores norte americanos havia visitado São Paulo e recomendado o “estabelecimento de cursos universitários, suplementares a Escola Americana”, razão por que foi constituída uma Junta de Síndicos que tratou de pôr em pratica a sugestão. O então Conselheiro Rui Barbosa foi consultado e informou não haver “de conformidade com as leis brasileiras, maneira pela qual a associação pudesse ser incorporada, para regularizar o título de propriedades, e recomendou a organização da corporação nos Estado Unidos, com administração de seus bens no Brasil, por meio de um procurador”.

Assim foi que no dia 9 de fevereiro de 1893, a Universidade de Nova York incorporou, em caráter de experiência, o curso superior da Escola Americana, efetivando, porém, a incorporação no dia 21 de Novembro de 1895

Começava dessa forma desabrochar a poderosa instituição educandária “que se ergue nos altos da Higienópolis”.

É em meio a esta fase de estruturação que aparece William Alfred Waddell. Seus conhecimentos de engenharia e sua estupenda noção de didática levaram-no a se transformar em um dos esteios da nova universidade. Participou da comissão que coordenou os cursos de engenharia, e foi um dos seus primeiros professores. Sobre sua capacidade, disse o Dr. Horácio Lane de certa feita, quando argüido de propósito: “É bastante inteligente, e capaz de dirigir todo o trabalho do Mackenzie, trabalhando só à noite, depois do jantar”.

Em Dezembro de 1891, um cidadão norte-americano, de nome J.T. Mackenzie, doou à escola a importância de 50 mil dólares, destinados à construção de um prédio próprio a seu funcionamento. A obra foi confiada a Waddell. Idealizada a planta e iniciada a construção, foi lançada a pedra angular no dia 12 de Fevereiro de 1894.

A partir de então, a obra educacional assumiu tais proporções, que o próprio Waddell chegou a escrever: ‘’’Ela é uma honra para o nome americano; e de qualquer ponto de vista que se consideram seus padrões, terá poucas rivais em qualquer parte. Dr. Lane tem introduzido a Bíblia na escola, em todo departamento; ela é uma parte ativa e valorosa da propaganda. O Colégio será de valor como desdobramento da presente situação. Todos os homens no campo estarão mais ansiosos pelo crescimento do trabalho, além de escolas paroquiais.”

Em fins de 1893, no dia 2 de Novembro, sua esposa, foi levada para outra morada. Alma meiga, possuidora de relativa cultura, Mary Lenington Waddell, que herdara dos velhos pais um profundo sentimento cristão, foi sem dúvida um dos maiores estímulos para seu marido, apesar da pouca duração do matrimônio.

 Missionário 

Não obstante sua atuação anterior como professor, William Waddell viera ao Brasil atraído pelas missões. Seu sonho era evangelizar e, se bem que no magistério prestasse grande auxilio à obra dos missionários, a voz dos campos não deixou de soar em seu coração. Soou brandamente, a princípio:

Falou alto e clamou, mais tarde.

Em fins de 1896, empreendeu viagem à Bahia. As searas brancas prontas para a ceifa, que seus olhos ali puderam contemplar, fascinaram-no e lhe lançaram brados de desafio.

Naquele estado, Pinkerton, Finley e Kolb já haviam, em época ainda recente, realizado uma penetração relativamente profunda, deixando, como marcos de sua passagem, vários convertidos e, mesmo, diversos pontos de pregação. Por ocasião sua viagem, trabalhava os campos e Rev. Chamberlain, designado pelo Presbitério do Rio de Janeiro. Uma idéia da fecundidade do solo, o próprio Chamberlain a dá, nos relatórios que preparou para os sínodos de 1894 e 1897:

“Era meu propósito visitar este campo (refere-se, aqui, ao Presbitério de São Paulo, onde havia visitado recentemente algumas igrejas), como há poucos, logo que passasse o tempo chuvoso. Porém, a morte do Rev. Pinkerton na cidade de Salvador, Bahia, em Fevereiro de 1892 e a retirada do Rev. Finley para o campo de Sergipe vieram transtornar meu plano e tornar necessário que eu acudisse às necessidades da Bahia e da Cachoeira, no Estado da Bahia. Aceitando pôr meses esta incumbência, e sendo pelo Presbitério do Rio de Janeiro, para o qual o transferi minhas relações presbiterianas, incumbido do trabalho pastoral das mesmas igrejas, segui em Junho de 1892 para a Bahia. Não me limitei a ministrar estas igrejas, mas atendendo à incumbência do Sínodo, procurei cumprir o ministério de evangelista em regiões além. Para esse fim ausentei-me vários meses em longas viagens pelo interior da Bahia, deixando os presbíteros incumbidos dos cultos na cidade da Bahia (Salvador), e um grupo de moços, crentes fervorosos, dos da igreja de Cachoeira. Estas viagens revelaram um estado de ânimo tão interessante dos habitantes do interior que, quando me achei aliviado do encargo da pastoral nas ditas igrejas pela volta do Rev. J.B Kolb dos Estados Unidos da América, entreguei-me à obra de evangelização nas regiões do interior da Bahia, visitando as praças importantes acessíveis por estradas de ferro, estendendo, até onde me permitiram as forças, essas viagens de além.

“Em nenhuma cidade que visitei foi-me negado pela intendência o uso da sala do Juri, fato bem significante, da oportunidade que deve ser abraçada ardentemente por nós de subministrar a palavra enquanto é dia. A noite vem.

Esse primeiro contato missionário iria levar Waddell a abandonar temporariamente o Mackenzie.

Durante a visita, conheceu Laura Chamberlain, filha do velho missionário, que desde 1894, trabalhava na “City School”, em Salvador. Desposou-a no dia 12 de Janeiro de 1897, em Feira de Santana, trazendo-a para uma breve estada no Mackenzie College.

Em 1899, Waddell solicitou sua transferência para o campo da “Igreja da Bahia” (Salvador), passando a residir, então, na capital baiana.

Passou, assim, a arar aqueles campos em companhia do irmão e da. Laura, Rev. Pierce Chamberlain e de Diocleto Simões Ferreira, que fora, por alguma razão, excluído da Igreja e que Waddell achara por bem restaurar a comunhão. Daí por diante, as viagens de itinerância ao interior se intensificaram.

Nessa época, os missionários visitaram a cidadezinha de São Felix, onde realizaram profícuo trabalho de evangelização. Em 1900, William Waddell deu inicio ao templo da Igreja de Salvador. Os 4 próximos anos, ele os dedicou ao seu pastorado e a viagens de itinerância.

Em 1905, passou a residir em Cachoeira, onde d.Laura se consagrou ao magistério na “Girl’s School”

Em um dos percursos de evangelização, sentiu-se “imensamente atraído pelo campo de Palmeiras”. Era uma vila pequenina, mas situava-se em local extremamente estratégico: no centro geográfico de uma região próspera, que poderia ser transformado mais tarde em centro intelectual e espiritual. Tentou adquirir ali uma gleba para a fundação de uma nova escola. A intolerância religiosa, no entanto, levou os proprietários da região, a fecharem totalmente as portas para o se trabalho. Isto não o desanimou, porém. Voltou imediatamente os olhos ao vilarejo próximo de Ponte Nova. Ali em um recanto aprazível

Às margens do rio Utinga, adquiriu o sítio com que sonhara e de início à “escolinha ” que iria transformar mais tarde no Colégio Ponte Nova. A fundação se deu no ano de 1906. Era outra obra fadada a se imortalizar no evangelismo pátrio.

Radicado em Ponte Nova, onde permaneceria até 1914, Waddell passou a se de dividir novamente entre o ministério e o magistério. Fazia ambos os trabalhos. Continuou a visitar as igrejas próximas. Cachoeira, Palmares, Cabeças, Lavras, e inúmeras outras cidades passaram a constituir o seu campo. Foram anos de trabalho intensivo.

Por volta de 1913, idealizou uma expedição missionária ao centro do país. Homem de grande visão,

Waddell já sentia a necessidade de penetrar o interior brasileiro. Sabia o valor que representaria para a evangelização nacional o fato de, quando o progresso da nação principiasse a se interiorizar, já existirem Igrejas formadas nas regiões que seriam atingidas por tal progresso. Então, os conquistadores da terra haveriam de deparar-se com a mentalidade cristã, e, vencendo o meio, seriam vencidos pelo Espírito. A expedição partiu de Salvador. Chefiou-a o recém chegado Rev. Franklin Graham, que cumpriu extensa jornada, fincando, nos estados de Goías, de Mato Grosso, e mesmo, em regiões mais afastadas da Bahia, os marcos do cristianismo. Assim foi que quando o dinamismo de um presidente novo principiou a levar a civilização ao interior do Brasil, provocando um verdadeiro formigar de gentes e de recursos nos sertões goianos, lá estavam, altaneiras e de braços estendidos, a imitar as seculares palavras do mestre quando clamava: “Vinde a mim vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei…”,as igrejas de Planaltina, Rio Verde, e tentas outras resultantes das idéias e planificações do cérebro de Waddell.

A Igreja de Cuiabá se teria originado dessa excursão.

Falando sobre a larga visão de que era dotado Waddell, o Rev. Philip Landes diz:

“Foi ele quem deu o brado de RUMO AO OESTE. Previu que o progresso atingiria bem cedo todas as fronteiras do Brasil, e procurou abrir os olhos da missão a este aspecto. Tal propósito levou-me, a mim e a minha esposa, a trabalhar naqueles campos. Waddell era capaz de ver o futuro. Se tivesse de lhe colocar uma alcunha, chama-lo-ia o missionário estadista”.

Durante as lidas missionárias, pode sentir sempre a presença de benévola de sua Segunda esposa, d. Laura. Mestra dedicada cristã de alma meiga, aprendeu ela bem cedo a sentir como sentiam os sertanejos e a viver como viviam. Essas qualidades, aliadas a “um desejo sem par, que a perseguira desde os tempos de escola, de ver o Brasil agigantar-se em um progresso fundamentalmente cristão”, levaram-na a se tornar obreira eficiente e estímulo para o esposo missionário. Por ocasião do pastorado de Cachoeira, já lecionara na “Girl’s School”. Depois, lecionou no colégio Ponte Nova, cooperando de maneira decisiva na evangelização do lugar. Sua habilidade no trato com o homem do campo foi uma das causas do sucesso da obra.

Colégio 

A escola de Ponte Nova foi fundada em face da ausência de um número suficiente de obreiros para a região. O plano de Waddell era preparar professores que, por sua vez, seriam usados na preparação de outros, desencadeando assim uma verdadeira onda de cultura e cristianismo naquelas terras sertanejas.

Iniciada a escola, adotou-se para os alunos o sistema de “self-help”, então em voga na América do Norte. Os estudantes pagavam apenas uma taxa anual de 50 mil réis, devendo as despesas excedentes disto serem cobertas por seu próprio trabalho.

No princípio, havia poucas e toscas construções, que se prestavam, ao mesmo tempo, para internato, salas de aulas, e residências de professores. A obra, no entanto, prosperou. Hoje, a escola conta com edifícios amplos e próprios para o funcionamento. Em 1927, I. Graham construi o “Pavilhão Waddell”.

Oito anos mais tarde ergueu-se o maior prédio escolar daquelas regiões: ” O Pavilhão Bixler”.

A nota, porém, que mais se distingue no colégio hoje, é o “Grace Memorial Hospital”, que ali se ergue um como refúgio para o sertanejo sofredor. Wood idealizou-o em 1916, e tornou realidade em bem poucos anos, com o concurso de Reese e outros incansáveis obreiros.

Sua escola normal foi oficializada em 1936 e, em 39, colou grau a sua primeira turma com diploma reconhecido pelo governo. Os progressos sucederam-se, uns após outros, ano após ano,

As grandes personalidades, que se formaram as margens de Utinga, espalham-se hoje por este Brasil a fora. São muitas. Difícil enumerá-las. Algumas porém, podem se citar. São apenas algumas das que compõem os grandes bandos de verdadeiras águias humanas que ali, nesse ninho humilde e singelo, foram geradas e criadas: Paulo Freire galgou os céus da política nacional; é hoje deputado federal pelo Estado de Minas Gerais. Alexandrina Passos e Eulália Alcântara são mestras dedicadas e valorosas obreiras. Adauto e Othon Dourado são figuras das mais representativas no cenário presbiteriano do Brasil. Élson Castro é hoje o diretor da escola. E que dizer de outros…

São Paulo Outra Vez 

No início de 1914,Waddell voltou a São Paulo. A 5 de Março, foi eleito presidente do Mackenzie College. O colégio, no entanto, principiava a se tornar impraticável a um de seus sonhos: a preparação especial do candidato ao Ministério. Uma nova escola começou a se gerar em sua mente fértil. A ocasião, porém não era propícia : antes de mais nada, precisava atender as necessidades do Mackenzie. Limitou-se a planejá-la, e preparar caminho para a sua fundação.

No ano seguinte, organizou-se a federação das Escolas Evangélicas, de que passaram a fazer parte, todos “os institutos e colégios da Igreja”. Em 1927, deixou a presidência do Mackenzie e, a 1 de Julho do mesmo ano, foi eleito seu Presidente Emérito.

Doravante nada haveria, assim, que o impedisse de dar início à nova escola.

JMC

Havia poucos anos que um sítio fora adquirido pelo Mackenzie College, no Km 32 da Estrada de Ferro Sorocabana. Eram mais de 40 alqueires situados em um vale suave, entre pequeninas montanhas da Cordilheira do Mar. Embaixo, bem na confluência dos morros, estendia-se quilômetros sem fim, o leito da Sorocabana. De uma de suas bandas, corria, em sentido contrário e com uma languidez mórbida, o riacho Jordão. Da outra um declive brusco e, pouco adiante, um brejo pequeno.

Foi ali que se dedicou a instalar o outro “ninho de águias”, construído habilmente, palha por palha, pelo estadista de Landres. Três casas rudes foram o ponto de partida. Outras, também rudes e humildes, seguí-las-iam com o correr dos anos.

Após os primeiros preparativos, foram iniciadas as aulas. Assim, “no dia 8 de Fevereiro de 1928, reuniram-se no salão nobre do acampamento do Mackenzie College, sito Km 32 da E.F.S., o Rev. Dr. William A. Waddell, Rev. e sra. C. R. Harper, Rev. Lenington, e os srs. Terêncio Vitorino, Eduardo Pereira de Magalhães e Tuffy Elias, para a abertura das aulas do curso universitário José Manuel da Conceição”. Estes 3 últimos eram os primeiros alunos, os demais, os primeiros mestres.

Um breve histórico da vida do Rev. José Manuel da Conceição e da fundação da Escola Americana, e uma oração, proferidas por Waddell, momentos após o cântico do hino 26 dos Salmos e Hinos, selaram a breve cerimônia de fundação, e consagraram definitivamente a obra de Deus.

Nos anos que se seguiram, chegaram novas levas de alunos. João Euclydes Pereira e Francisco Alves foram das primeiras turmas. Vinham da província mineira, que mandaria mais tarde outros de seus nobres filhos. Hoje, um é o vice-presidente do Supremo concílio da Igreja Presbiteriana Independente; o outro é eminente teólogo e professor do seminário de Campinas. Da Bahia, dentre outros, vieram Adauto Dourado e José Dias, Eudes Férrer veio do Mato Grosso. Goiás, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul também mandaram estudantes ilustres. Quase todos os estados da Federação fizeram-se representar. São Paulo, por excelência. Daqui, foram mandados Aretino Matos, Daily França, Renato Teles, Fernando Buonaduce. Hoje, são todos professores e ministros dedicados; são esteios do evangelismo pátrio.

Atualmente, o JMC consta com cerca de duas centenas de alunos. Seu diretor é Olson Pemberton,Jr, que, por muitos anos foi missionário no sul do país. Seus professores, na maioria ex-alunos são: Renato e Maria Elza Teles, Fernando Buonaduce, Jean Pemberton, João Euclydes Pereira, João e Queila Faustini, Joaquim e Yolanda Machado Josué e Samuel Xavier, Maria Block Cruz e Floyd Gilbert.

100 Anos Depois 

Esta é, em resumo a história de William A. Waddell. Foi homem de coragem, cristão fervoroso e intelectual profundo: foi um dos “valentes de David”. Sua obra, viveu-a a serviço de um povo que não era o seu, em uma pátria que não era também a sua.

Hoje, passado já um século desde o seu nascimento em Bethel, nós alunos e professores desta casa de ensino,frutos de seu trabalho e do seu amor, erguemos a nossa fronte para os céus, prestamos-lhe homenagem devida aos heróis verdadeiros, agradecendo a Deus a sua vinda e rogamos outros…

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Transcrito aqui em Salto, 7 de Março de 2010

O JMC nos deu Educação

[O texto abaixo eu escrevi em Setembro de 1997 para colocar no site oficial dos ex-alunos do Instituto JMC. Ele tinha um título diferente então: “Vignettes do JMC”. Era parte de um conjunto de “vinhetas” sobre o JMC. Transcrevo-o aqui por considera-lo ainda relevante. Existe um outro artigo, o que abre este blog, escrito em 2009, doze anos depois deste, que tem, em parte o mesmo título: “O JMC nos deu Educação — no sentido mais pleno do termo”, que é, ao mesmo tempo, mais fático e mais teórico ao mesmo tempo. Não confundir os dois.]

Meu pai, Oscar Chaves, já havia estudado no Conceição, na década de trinta. Eu lá cheguei cerca de 25 anos depois, em Fevereiro de 1961, para iniciar o Curso Clássico. Tinha 17 anos. Formei-me em Novembro de 1963, numa cerimônia da qual fui orador da turma e que teve o então deputado Camilo Ashcar como paraninfo.

A experiência no Conceição me marcou. Ali o adolescente, recém menino (cheirando a fraldas, como dizia meu pai), virou gente grande: cresceu intelectualmente, começou a tomar conta de sua vida, aprendeu a assumir responsabilidade pelos seus atos, apaixonou-se mais de uma vez. Escola de vida.

Michael Hammer, o guru da reengenharia, disse, em seu último livro, que educação é aquilo que resta depois que a gente esqueceu o que nos foi ensinado. No caso do Conceição, restou muito.

Nos estudos, o principal remanescente foi o gosto pelo saber, o entusiasmo pela descoberta, o desejo constante de aprender. No meu caso particular, há várias instâncias disso.

Em primeiro lugar, menciono o amor pelo língua e pela cultura francesa, que me foi despertado pela Dona Elza Fiúza Telles. Ah, como era bom ter aula de Francês com ela, escutar sua pronúncia linda, virtualmente sem sotaque, ouvi-la falar sobre literatura francesa. O livro texto era Langue et Civilisation Française, de G. Mauger, até há bem pouco tempo usado nas Alianças Francesas, mas a gente não se limitava ao livro texto: lia os originais. Em suas aulas li Racine, Corneille, Molière, Chateaubriand, de Musset, de Vigny, Hugo, Stendahl, decorei Le Lac, de Lamartine, o Salmo 23 – “L’Étérnel est mon berger, je n’aurai point de disette”. E não ficávamos só nos clássicos: li, por exemplo, Alexis Zorba (Zorba o Grego), de Nikos Kazantzakis, em francês, no terceiro ano clássico, num sistema de leituras independentes em que Dona Elza deixava que cada aluno progredisse em seu próprio ritmo. O gosto pela língua e civilização francesa continuam até hoje: sou membro do Conselho Diretor e um dos sócios cotistas da Aliança Francesa de Campinas (que é uma instituição educacional e cultural sem fins lucrativos).

Em segundo lugar, é preciso registrar o amor pela língua inglesa, que foi despertado e nutrido pela Dona Jean Pemberton. Tanto nas aulas, como, especialmente, no famoso English Club, Dona Jean também nos ajudava a dominar e a amar o Inglês, a aprender famosas canções como “Oh! Give me a home, where the buffalo roams, where the deer and the antylope play, where seldom is heard a discouraging word, and the sky is not cloudy all day”, a decorar “tongue twisters” como “Peter Piper picked a pack of pickled peppers”, e a repeti-los com rapidez, a cantar Christmas Carols, etc.

Mas o Português não pode ser esquecido. O Reverendo Joaquim Machado fazia com que achássemos extremamente interessante e útil aprender as regras mais complicadas da colocação de pronomes, da crase, das funções da partícula “se”, etc., e nos dava redações para casa sobre temas como “O pobre muda de dono mas não muda de sorte”… Na aulas de literatura, com o Reverendo Renato Fiuza Telles, tive que fazer trabalhos sobre o Teatro de Gil Vicente, as cartas de amor da Sóror Mariana Alcoforado, Senhora, A Moreninha, Helena, e o sempre clássico Dom Casmurro. “Capitu: Culpada ou Inocente” – talvez culpada, quem sabe inocente? – foi o tema de um de meus trabalhos de literatura brasileira.

E o Latim com o Reverendo Fernando Buonaduce? “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet?” (Cicero, In Catilinam Oratio I). E Grego, de novo com a Dona Jean? Psicologia, Lógica e História com o Reverendo João Euclydes Pereira? Matemática com o Reverendo Aureliano Lino Pires? Até um pouco de Física tivemos, com o Samuel Xavier (irmão do Josué, marido da Isva Ruth, a eficiente Secretária da escola).

Onde é que um aluno de segundo grau hoje aprende tudo isso?

Em termos de enriquecimento cultural, não se pode esquecer a música. A pessoa de João Wilson Faustini, o Coral regular do Conceição, o Coral especial para o Billy Graham, o coral do Recital no Municipal, o Coral da Quinta Igreja Presbiteriana Independente, em Osasco, regido pelo meu amigo e companheiro de quarto no segundo ano, Jonas Christensen, o Coral Johann Sebastian Bach, em São Paulo, do qual participei, levado também pelo Jonas, os Concertos Matinais Mercedes Benz em São Paulo nos domingos de manhã, Concertos no Municipal em algumas sextas-feiras, dos quais me recordo especialmente de um em que, pela primeira vez, ouvi a Nona Sinfonia de Beethoven, na companhia do Faustini (e em meio às lágrimas inctroláveis dele), e tanto mais. A sensibilidade do Faustini era tanta que seus olhos se enchiam de lágrimas ao reger um ensaio em que o coral conseguisse interpretar as músicas como ele desejava. Ao reger Fugi Tristeza e Horror, no Domingo de Páscoa, seus olhos brilhavam de modo a dar a impressão de que ele havia acabado de ver o Jesus ressuscitado.

Num plano mais popular, as serenatas apaixonadas, realizadas à socapa perto da Casa das Moças, em que eu e o Evandro Luís da Silva sapecávamos lancinante duetos de Vaya com Diós, El Dia que me Quieras, Teus lindos olhos, etc. (Um dia tivemos que sair correndo porque o “Seu” Benedito acendeu a luz de sua casa e apareceu na porta com o que parecia ser uma espingarda… O Paulão Cosiuc, segundo consta, mergulhou de cabeça aquela noite nas águas então apenas barrentas do Jordão).

E os esportes? Futebol de campo e de salão, basquete, vôlei. Times valentes, aqueles. No futebol de campo e de salão, o Dorival Xavier era o astro – ninguém lhe chegava perto, era “hors concours”. No futebol de campo, entretanto, o Paulo Cosiuc conseguia fazer incríveis gols de bicicleta, que me deixavam admirado (quando não um pouco invejoso). No basquete e no vôlei o Ambrósio Jorge Neto, o Deoclécio (ele às vezes escrevia Deocléssio) Silveira Amaral e o Robert (“Bob”) Nicholas Lodwick brilhavam. (O pai do Bob, Reverendo Robert E. Lodwick, fiquei sabendo pela última Newsletter, já havia brilhado nessa arena anos antes). Jogos violentos de futebol de campo contra o time da Vila (cidade de Jandira), disputas acirradas contra o Seminário de Campinas, no futebol de salão, lindas partidas de basquete e de vôlei contra a Escola Graduada (Graded School) de São Paulo. Tirando o basquete, que nunca joguei, fui figurante nos outros três esportes. Jogava de beque no futebol de salão, com meu caro amigo Hélio de Castro e Souza, hoje Delegado de Ensino em Taubaté.

Eu me estenderia muito se começasse a falar sobre os colegas de classe e os outros. Presto homenagem apenas a três dos colegas de classe que já morreram: Ambrósio Jorge Neto, Jonas Christensen, e Maria Helena Pires. (Os dois primeiros eram colegas de classe mas não concluíram o curso no JMC em 1963). [Restante da Turma].

Estender-me-ia ainda mais se falasse dos amores. Quem passou algum tempo no Conceição e não ficou pelo menos uma vez apaixonado, “foi espectro de homem, não foi homem, só passou pela vida, não viveu”. O poema de Francisco Otaviano dos Reis fala do sofrimento, não do amor, mas no Conceição amor e sofrimento eram sinônimos, porque era proibido namorar, embora a norma fosse aplicada com certa leniência. Era proibido, sim, andar de mãos dadas, abraçar-se, trocar beijos. Mas era tolerado esperar juntos na fila diante do refeitório, sentar-se juntos durante as refeições, trocar breves palavras no intervalo das aulas. E era permitido olhar. Ah, como fala um olhar! As moças só vinham para o lado dos rapazes para as aulas, as refeições e os cultos. Fora disso, ficavam na distante Casa das Moças, do outro lado do Jordão. “O Jordão eu não passarei só” era um hino sobre o qual muita brincadeira se fazia. Mais de uma vez fiquei do lado de cá do vale olhando para uma figura que, com minha miopia (que me valeu o apelido de “Cegão”), só a fé me garantia ser quem eu queria no alpendre da Casa das Moças. Como bem sabem o Elizeu Cremm e a Marli (hoje também) Cremm, namoro à distância representava sofrimento, mas ajudava a aumentar a “botina”, porque o amor se alimenta talvez mais de olhares e sorrires do que dos finalmentes hoje tão comuns em fase precoce de namoro, ou mesmo sem… Meus amores lá tinham nomes (ainda têm, embora os sobrenomes tenham se alterado…) que terminam com um som de “i”: Reacy, Natalie, Sueli. A amizade, o carinho e a doce lembrança permanecem depois de, em alguns casos, mais de 35 anos. [Natalie, cujo sobrenome era Browne, era neta do Rev. Philippe Landes, sobre quem Emílio Maciel Eigenheer fala em sua vinheta].

Nos aspectos mais práticos da vida, era duro ter que arrumar o quarto, lavar a roupa, ajudar no refeitório de vez em quando, viver quase sempre sem dinheiro. A gente tinha que “se virar” para ganhar um magro dinheirinho. Enquanto no Conceição preguei pela primeira vez, numa congregação em Itapevi, fui pela primeira vez trabalhar numa Igreja nas férias (em Pirapozinho, SP) – e isso rendia alguma remuneração. Em troca de alguns trocados, cantei, em quarteto ou octeto, em vários casamentos na Catedral Evangélica da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo (“Sublime amor, além do entendimento”, “Senhor aqui viemos te adorar, trazendo humildemente o nosso amor”). No Conceição, fui eleito pela primeira vez (Presidente do Grêmio Miguel Torres) – embora isso não rendesse nenhum dinheiro… Ali votei pela primeira vez (se não me engano, para Jânio Quadros, quando ele se recandidatou, sem sucesso, ao Governo do Estado, depois da renúncia à Presidência). Quanta primeira vez compactada em tão pouco tempo! (A primeira vez em que todo mundo pensa quando se fala em primeira vez só veio a acontecer depois do JMC).

No Conceição conquistei confiança em minha própria capacidade e isso foi fruto do contexto de estimulação e desafio intelectual, rigor acadêmico, e liberdade com responsabilidade em que vivíamos. Ali senti que poderia, com a base que tinha recebido, ser o que quisesse na vida. (O leque do que eu queria era, entretanto, bastante limitado naquela época.)

Educação é isso: é o que resta, depois que a gente se esqueceu do que nos foi ensinado: o amor do saber, o entusiasmo pela descoberta, a fascinação pelo conhecimento, pela cultura, pelas artes, o desejo de sempre aprender mais, o sentido de valor que nos ensina a separar o importante do urgente e a priorizar as coisas, a certeza de que a vida vale a pena quando se tem um objetivo pelo qual lutar. O Conceição nos legou tudo isso. O Conceição nos deu educação. Talvez a melhor educação de que se tenha notícia neste país.

Em Campinas, Setembro de 1997

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Transcrito aqui em Salto, 7 de Março de 2010

Os 80 Anos do JMC: Relato e Impressões

[O texto abaixo eu escrevi e publiquei no site oficial dos ex-alunos do Instituto JMC em 9 de Fevereiro de 2008, dia em que se comemorou os oitenta anos da fundação do Jota. Achei que valeria a pena transcrevê-lo aqui também. Eduardo Chaves.]

Hoje comemoramos o octagésimo aniversário da fundação do Instituto “José Manuel da Conceição” (JMC), que teve lugar no dia de ontem. O JMC foi criado no dia 8 de Fevereiro de 1928. A comemoração se deu com um culto solene na Catedral Evangélica da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, na Rua Nestor Pestana, depois do qual houve um almoço de confraternização. Mais sobre o culto e o almoço depois.

A Ata de Fundação do JMC começa assim:

“No dia 8 de fevereiro de 1928 reuniram-se no salão nobre do Acampamento do Mackenzie College, sito no kil. 32 da E.[strada de] F.[erro] Sorocabana, o Rev. Dr. W.[illiam] A.[lfred] Waddell, Rev. e Snra. C.[harles] R.[oy] Harper, Rev. R. F. Lenington e os Snrs. Erencio Victorino, Eduardo Pereira de Magalhães e Tuffy Elias, para a abertura das aulas do Curso Universitário ‘José Manuel da Conceição’.  Foi cantado o hymno nº 26, dos ‘Psalmos e Hymnos’, um dos hymnos predilectos do fallecido Rev. José Manuel da Conceição. O Dr.Waddell relembrou a ocasião em 7 de fevereiro de 1891, quando se reuniram na casa nº 1 da antiga rua S. José, hoje Líbero Badaró, o Rev. e Snra. G. W. Chamberlain, e, com 3 creanças, um menino branco, nº 1 da matrícula, depois o Rev. Álvaro Reis, uma menina branca e um menino preto, organisaram a Escola Americana de São Paulo. Também a ocasião, no dia 8 de março de 1891, quando na sala do Rev. G. W. Chamberlain, na Rua Consolação em São Paulo, elle, Dr. Waddell, organisou o Mackenzie College, com três matriculados.” [Continua. Foi mantida a ortografia da época.]

Dr. Waddell também havia criado, em 1906, o Instituto Ponte Nova, no local em que hoje se situa a cidade de Wagner, na Bahia. Foi um semeador de escolas.

Registre-se que Erencio Victorino, Eduardo Pereira de Magalhães e Tuffy Elias, presentes no momento da criação do JMC, foram seus três primeiros alunos, tendo os números de matrícula 1, 2 e 3, respectivamente.

Estiveram presentes na comemoração de hoje, e dirigiram a palavra aos presentes, o Rev. Richard L. Waddell, neto do Dr. Waddell e bisneto do Rev. Chamberlain, e o Rev. Charles Roy Harper (Junior), filho do Rev. Harper e de Dona Evelyna Harper. O primeiro está radicado nos Estados Unidos e o segundo na França.

O culto foi longo: começou às 10h30 e só terminou perto das 13h. Muita música – com um coral improvisado, que ensaiou durante uma hora, das 9h30 às 10h30, sob a batuta sempre firme do Rev. Maestro João Wilson Faustini – meu antigo professor de música e regente de vários corais dos quais tive o privilégio de participar (de quem me tornei amigo pessoal nos últimos quinze anos). A liturgia foi celebrada pelos Revs. Gerson Correia de Lacerda e Elizeu Rodrigues Cremm (este meu contemporâneo no JMC – estava um ano na minha frente). Não conheci o Dr. Waddell e o Rev. Harper (os que criaram o JMC), mas meu pai os conheceu bem (foi aluno do JMC de 1934 a 1938) e os admirava muito – bem como à Dona Evelyna. O Rev. Waddell de hoje eu não conhecia. O Rev. Harper de hoje (o Royzinho) eu fiquei conhecendo há cerca de vinte anos em Genebra, através de nosso amigo comum Rev. Aharon Sapsezian.

Pregou no culto de hoje o Rev. João Dias de Araújo, ex-manuelino, que nos idos dos anos 50 e 60 era considerado um teólogo revolucionário, professor que era no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife. Depois do Golpe de 1964, foi perseguido. Hoje falou sobre “O Mutirão de Deus”. Não entro no mérito do conteúdo – mas na forma foi um bom sermão: o Rev. João Dias é um experiente orador. Não o conhecia pessoalmente – embora tivesse lido vários de seus artigos quando eu era aluno do Seminário Presbiteriano de Campinas (1964-1966).

O culto, apesar de longo demais, foi lindo – falando do ponto de vista estético. Os hinos foram bonitos – eu me comovi, no final, quando todos cantamos a chamada Bênção Aarônica e, para encerrar, num majestoso “Grand Finale”, o Aleluia de Haendel – números que cantei tantas vezes enquanto era aluno do JMC.

Depois do culto, um almoço e um momento social. Saí de lá por volta das 15h30 – e a sala ainda estava bem cheia. Encontrei inúmeros colegas de classe, contemporâneos e amigos que estudaram lá em outras épocas.

Dos formandos de 1963, minha turma, estavam lá, do Clássico, apenas o Assir Pereira e eu, e do Ginásio, o João Rhonaldo de Andrade, atual presidente da Associação dos Ex-Alunos, a Sueli Barbosa Cavalcanti Jardim, secretária perpétua da Associação, e o Paulo Cosiuc. Fazendo um parêntese, a turma de 1963 foi a última turma a se formar antes da Ditadura Militar, em cuja vigência a escola foi fechada. Neste ano de 2008, vamos comemorar, em Novembro, 45 anos de nossa memorável viagem pelo Sul do Brasil: Curitiba, Florianópolis, e Porto Alegre, passando por Tubarão, Joinville, Blumenau, Lajes e pela nascente comunidade de Camboriú — quase só havia a praia, já linda, então. Quem sabe consigamos montar uma celebração. Fim do parêntese.

Durante o culto eu fiquei pensando sobre o JMC. Embora comemorássemos o octagésimo aniversário da fundação do Instituto, ele só esteve em existência durante 41 desses oitenta anos. Foi fechado, inexplicavelmente, em 1969, pela Igreja Presbiteriana do Brasil, que nunca explicou sua extinção – no auge da Ditadura. Mais inexplicável ainda foi o uso de parte do campus para instalação de uma fábrica, hoje abandonada, que, segundo consta, era de armamentos. O assunto é tabu dos bravos – todo mundo que deveria saber alguma coisa, e que está ainda vivo, desconversa quando se aborda o assunto. Já abordei, em outras ocasiões, muita gente (Olson Pemberton, ex-diretor do JMC, e Oswaldo Henrique Hack, ex-aluno e ex-Chanceler do Mackenzie, ambos presentes no culto), mas sem sucesso. 

Mas, como dizia, fiquei pensando sobre o JMC. Em um artigo anterior, escrito em 1997, mais de dez anos atrás, e publicado aqui neste site, na seção “Vinhetas”, eu defendi a tese (que era o título do artigo) de que “O JMC nos deu Educação”. Não tenho dúvida disso. Não consigo encontrar outra explicação para o fato de que, quase quarenta anos depois de sua extinção, essa escola seja capaz de reunir várias centenas de ex-alunos em uma associação, criada em 1992, e consegue, pelo menos uma vez por ano, mobilizar quase uma centena de ex-alunos, todos aí na casa dos cinqüenta anos para cima, para um encontro anual.

Alguns participantes desses encontros trazem seus filhos, e os filhos de seus filhos, para tentar fazer com que eles entendam o que o JMC significou em suas vidas. Isso tudo fica ainda mais surpreendente quando se constata que, durante os seus 41 anos de funcionamento, o JMC teve apenas 2.604 alunos.

Estiveram presentes hoje no encontro alguns ex-alunos bem avançados nos seus oitenta anos. Sono Yuasa Tanaami, matrícula 186, entrou no JMC em Janeiro de 1937, com 17 anos. Tem, hoje, portanto, 88 anos. O número anterior de matrícula, 185, é do Rev. Gerson Azevedo Meyer, também com 88 anos, que não esteve presente, mas que me ligou ontem para justificar sua ausência, que se deveu ao estado de saúde não muito bom de sua mulher, Dona Romélia. Ambos moram aqui em Campinas. A matrícula 181 foi de Martha Faustini (hoje Martha Faustini Egg), cuja idade deve estar por aí — e cujo dueto de “Jesus, o Bom Pastor”, com Carlos René Egg, seu marido, é absolutamente inesquecível (meu pai tinha o disco de 78 rotações, mas ele misteriosamente sumiu). Por falar em meu pai, que hoje teria 95 anos, se estivesse vivo, sua matrícula no JMC tinha o número 98. Minha matrícula foi 1514. A última aluna a se matricular no JMC foi Wanda Emir Simões: teve o número 2604. O Rev. João Dias, pregador de hoje, teve matrícula 629; o Rev. Faustini, 611.

Como disse, não tenho dúvida de que o JMC nos deu educação. O que me intriga é como foi que isso aconteceu. As instalações da escola, embora próprias e, de certo ângulo, até pitorescas, eram bastante precárias – ainda quando eu estudei lá, de 1961 a 1963. Imagino o que não foram antes. A comida, às vezes feita pelos próprios alunos, era horrível: havia um ovo cozido servido num ensopado de espinafre com o qual até hoje tenho pesadelos. Os quartos em que morávamos (a maioria dos alunos morava na escola em regime de internato) eram um desastre: poucos erram forrados, alguns tinham enormes goteiras. Os chuveiros dos banheiros coletivos eram de água fria, ainda em 1963. Nem menciono como eram as instalações sanitárias. A biblioteca era fraquíssima – e não havia bibliotecário especializado. Tecnologia? Bom, havia uma máquina de escrever na secretária, e, presumo, uma máquina de calcular na tesouraria. Os professores não tinham pós-graduação, muito menos formação no exterior (exceção feita, neste caso, aos estrangeiros – quase todos missionários e seus cônjuges). Olhando em retrospectiva, as aulas eram tradicionais – alguns professores pareciam simplesmente “declamar” o livro texto…

E, no entanto, o JMC nos deu educação… Como?

Da minha vida profissional, quase 33 anos foram passados na Faculdade de Educação da UNICAMP, onde me ocupei, entre outras, da cadeira de Filosofia da Educação. Sempre me preocupei em tentar definir o que é que caracteriza uma educação e uma escola de qualidade. Nos últimos anos tenho assessorado a Microsoft num programa que ela instituiu e implementa chamado “Escolas Inovadoras”. Em todas essas atividades, tem me parecido evidente que uma escola de qualidade é uma escola inovadora – e que uma escola inovadora se caracteriza por um projeto pedagógico ousado, um currículo orientado para o futuro (não para o passado), uma metodologia ativa, centrada no estudante… e uso criativo e inovador da tecnologia.

O meu problema é que, julgado por esses critérios, o JMC não se sai bem… E, no entanto, eu não tenho nenhuma dúvida de que o JMC era uma excelente escola.

Como explicar?

Durante o culto me surgiram algumas idéias, que passo a compartilhar. O Rev. João Dias que me desculpe os vôos de pensamento durante o seu sermão.

1. Primeira idéia

No JMC, virtualmente todos os alunos tinham um projeto de vida bem definido, sabiam que a educação era importante para esse projeto, e, portanto, não tinham nenhuma dúvida sobre por que estavam no JMC. O Instituto foi criado como um curso preparatório para o Curso de Teologia, ministrado pelos Seminários Evangélicos. A escola era até chamada de “Seminário Menor” (houve quem tenha conseguido contar. Sua função era preparar candidatos ao ministério (pastorado) para que pudessem fazer com sucesso, ou com melhor aproveitamento, o Curso de Teologia. Quem chegava ao JMC, especialmente nos tempos mais antigos, era por que queria ser pastor evangélico. Não importava a denominação. Embora mantido pela Igreja Presbiteriana e pela sua co-irmã brasileira a Igreja Presbiteriana Independente (criada em 1903, através de uma cisão), o JMC aceitava candidatos de outras denominações: metodistas, batistas, episcopais, congregacionais. Era, na verdade, uma instituição ecumênica, antes de o ecumenismo se tornar moda.

Tendo um projeto de vida bem definido, e sabendo que a educação era essencial para ele, os alunos chegavam ao JMC em geral vinham dispostos a estudar. Quem não tinha essa disposição, não agüentava um mês da escola: ia de volta para casa, porque compreendia que no JMC o estudo era coisa séria. É verdade que uns vinham mais bem preparados do que os outros, outros tinham mais facilidade para aprender do que os outros, mas nenhum tinha dúvida de que estava ali para estudar e para aprender – de que forma fosse, custasse o que custasse. Os melhores alunos ajudavam os que tinham mais dificuldades, havia aulas de reforço pelos professores, e muitos alunos passavam a noite “queimando as pestanas” em cima dos livros e das anotações de aula. Mas aprendiam.

Hoje, ao se ler livros sobre pedagogia, pouco ou nada se encontra sobre a importância de um projeto de vida para a educação. No entanto, quem trabalha na área sabe que, muitas vezes, um aluno se arrasta por um curso, repetindo séries, ou ficando em dependência em matérias – até que define um projeto de vida. Alguém decide ser médico ou dentista – e, de repente, aquelas aulas chatas de biologia se tornam interessantes, porque passaram a ser condições necessárias para a realização do projeto de vida. Outro decide ser engenheiro – e, de repente, aquelas aulas insuportáveis de matemática se tornam interessantes… (ou, pelo menos, o fato de serem chatas não se torna mais um empecilho para a aprendizagem). Quem quer ser pastor (ou professor, ou advogado) sabe que tem de conhecer bem a língua materna, falá-la bem, inclusive em público, escrevê-la bem… Sabe que terá de aprender a usar bem a retórica e a oratória… Sabe que deve conhecer bem a literatura e a história, a filosofia, bem como uma ou duas línguas estrangeiras vivas… No caso do pastor, se quiser ser “bom de púlpito”, terá de saber fazer exegese dos textos bíblicos, interpretar criativamente passagens obscuras; se quiser ser “bom no pastoreio das almas”, terá de conhecer bem a psicologia, talvez um pouco de sociologia… A razão para estudar está dada – e, conseqüentemente, o problema da motivação está resolvido.

(O fato de que alguns dos alunos, e todas as alunas, não pretenderem ingressar no pastorado – até porque ele era, e continua sendo, vedado para mulheres na maioria das denominações protestantes – não refuta a minha tese: esses alunos e alunas em geral tinham um projeto de vida relacionado à igreja: trabalho missionário, o ministério da música, etc. No mínimo, muitas das alunas aspiravam a se tornar “mulher de pastor”…)

2. Segunda idéia

O JMC era um ambiente propício ao estudo e à aprendizagem. Todo mundo ali estudava e aprendia: aluno e professor. Ninguém tinha vergonha de confessar sua ignorância e de ser apanhado estudando.

Como ambiente de aprendizagem, o JMC tinha um currículo. Diferentemente de outras escolas, porém, os professores não tinham dificuldade de convencer os alunos de que o currículo que a escola oferecia era essencial para a realização do projeto de vida que tinham. A finalidade do JMC era oferecer aos seus alunos o Curso Secundário, como então definido, em dois ciclos: o Ginásio e o Clássico. Futuros pastores, se acreditava (corretamente, acrescento eu), não precisavam estudar nem muita matemática nem muita ciência. De matemática ainda precisavam conhecer os aspectos mais relevantes à gestão das atividades do dia-a-dia. Mas de ciência, quase nada. Coerentemente, o JMC oferecia o Clássico, não o Científico, e dava ênfase às línguas vivas e mortas (Português, Francês, Inglês, Latim, Grego), à Literatura e à História (repositórios excelentes de histórias edificantes), à Filosofia, à Lógica, à Psicologia… E esse era um currículo bastante ajustado às necessidades do futuro pastor. O encaixe era perfeito. Assim, nenhum aluno perdia tempo perguntando por que ele tinha de estudar tanto Português, ou Filosofia, ou História… porque a resposta era evidente.

A segunda característica interessante do ambiente de aprendizagem que era o JMC era o fato de que alunos e professores viviam na escola em tempo integral. Os alunos, nos quartos do internato. Os professores, nas casas de professores que havia dentro do campus. Para uns e outros, estudar e aprender, ou estudar e ajudar os outros a aprender, eram tarefas de tempo integral. (Havia exceções: uns poucos alunos externos e um ou outro professor que era pastor fora do campus. Mas a regra era clara: o JMC era uma escola de tempo integral e dedicação exclusiva). Os professores estavam disponíveis não só durante as aulas. Era possível visitá-los em suas casas, ou abordá-los fora do horário das aulas. Eles nos convidavam para suas casas com freqüência. O “English Club” se reunia à noite – não raro na casa da professora de Inglês.

É verdade que tínhamos várias ocupações “não acadêmicas” durante nosso tempo de permanência na escola. Tínhamos de lavar nossa roupa, limpar nossos quartos, cuidar da limpeza dos pátios e banheiros – não havia serventes. Vários alunos, para ganhar um dinheirinho, ou até mesmo para conseguir pagar a escola, trabalhavam na secretaria, na cozinha, no refeitório, ou em outros locais. O “enfermeiro” da escola em geral era um aluno que já tinha trabalhado em farmácia e, por isso, sabia aplicar injeções e fazer curativos… Quem cuidava da biblioteca em geral era um aluno. Quem supervisionava o estudo dos alunos mais novos em geral era um aluno. E assim vai.

Mas essas atividades, longe de roubar o tempo de nossa educação, eram incorporadas nela. A educação, entendíamos (corretamente, acrescento eu hoje) que educação é preparação para a vida – e as distinções entre educação formal e não-formal, entre aprendizagem e trabalho, entre aprendizagem e esporte, entre aprendizagem e lazer, são artificiosas. Tudo pode contribuir para nossa educação, se nosso objetivo maior e constante é aprender, e aprender sempre.

Na verdade, muitas das atividades extra-classe foram extremamente importantes na nossa educação.

A música, em primeiro lugar: a participação nos corais, nos conjuntos, nos octetos, nos quartetos, o estudo de harmônio e piano… Lembro-me bem de quando chegou ao JMC o Manuel Vieira de Castro Neto – magro, tímido, oriundo de meio pobre… Mas extremamente interessado em música e muito talentoso. Em pouco tempo tocava harmônio, logo evoluiu para o órgão elétrico. Ele tocou no culto de hoje. Deu um show. Estudar harmônio, órgão ou piano não era obrigatório para todos. Estudar regência também não. Participar do coral, também não. Criar um quarteto ou octeto próprio, menos ainda. Participar nos festivais de música, nos concertos (até no Municipal, em São Paulo), também não. Mas nunca se viu uma fábrica tão competente de cantores de coral, de solistas, de organistas e pianistas, de regentes corais, de compositores, de professores de música, como o JMC. A música sacra no Brasil se divide em antes e depois do JMC.

O esporte, em segundo lugar. Jogávamos futebol de campo, futebol de salão, vôlei e basquete. E éramos bons. Esportes de equipe são excelentes instrumentos para ajudar os que deles participam a “aprender a conviver”: a trabalhar em equipe, a cooperar e colaborar, a liderar… Ninguém era obrigado a participar dos diversos esportes – eles não contavam como aulas de “Educação Física”. Mas eram mais do que isso: eram instrumentos de educação para a vida em sociedade e instrumentos para que pudéssemos aprender a conviver com nossas limitações, em especial diante de gente de excepcional habilidade — Dorival de Oliveira nos “futebóis”, por exemplo…

Havia também o Clube Literário – o Castro Alves. Ali aprendíamos a debater, a redigir, a usar a voz, a falar em público, a declamar poesias… A participação nele também não era obrigatória.

Havia ainda o Clube Miguel Torres, dedicado a questões de natureza mais filosófica e teológica. Também de participação voluntária.

Em resumo: o ambiente de aprendizagem propiciado pelo JMC era excelente, especialmente por abranger a educação formal e a não-formal, o ensino em sala de aula e a aprendizagem na solidão do quarto ou na convivialidade dos grupos, a aprendizagem pela música, pelo esporte, pelo lazer e pelo trabalho.

Quando um ambiente de aprendizagem desse tipo é oferecido a quem tem um projeto de vida definido, que exige que estudem e aprendam, ninguém consegue ficar sem aprender. Se não quiser aprender, reconhece que aquele não é o ambiente adequado e vai embora rápido. Mas se quiser, as possibilidades e oportunidades estão aí para todo mundo ver. Uns avançaram mais do que outros – mas todos avançaram bem mais do que inicialmente julgavam possível.

3. Terceira idéia

Apesar de o JMC ser um magnífico ambiente de aprendizagem, a responsabilidade de aprender era claramente definida e entendida como sendo de cada aluno.

Desculpas como as seguintes não eram admitidas para desempenho fraco: “Ah, a aula do professor é maçante”; “Ah, o livro didático é fraco”; “Ah, esse mês eu tive que supervisionar os estudos dos mais jovens”; “Ah, pedi aos colegas das séries mais altas que me ajudassem, mas eles não o fizeram”; “Ah, minha namorada me deu o fora e eu fiquei muito deprimido”…

E a responsabilidade de cada um ia adiante: muitos professores nos davam a prova e saíam da classe, ou nos davam a prova e diziam que podíamos fazê-la no quarto e depois entregá-la – e que tínhamos duas horas para concluí-la. Ficávamos sozinhos na sala, e não conversávamos ou colávamos. Ou, no quarto, sozinhos, não olhávamos o livro ou os cadernos – e encerrávamos a prova quando terminava o tempo, ainda que tivéssemos mais a dizer, e ninguém estivesse olhando. O ambiente da escola criava um clima em que era inadmissível não cumprir as regras, não corresponder às expectativas que eram depositadas em nós. Uma ou outra vez um aluno, pressionado para mostrar um nível aceitável de desempenho (sete era a nota mínima para aprovação) não resistia – mas sua consciência doía tanto que ele mesmo se encarregava de confessar o erro, e aceitava qualquer veredicto que o mestre houvesse por bem lhe dar.

Enfim: aí estão algumas idéias.

O JMC tinha defeitos? Claro que tinha. Mas eram poucos e menores. Não tínhamos liberdade para fumar, beber ou dançar, por exemplo. Embora o JMC abrigasse homens e mulheres, era proibido namorar – ou, pelo menos, exibir as manifestações exteriores do namoro (pegar inocentemente na mão da namorada, por exemplo).

Seria viável recriar o JMC hoje? Acho difícil. Os tempos são outros. Mas é possível difundir a sua filosofia e a sua prática. Só isso já traria uma grande contribuição para a educação brasileira.

Em Campinas, 9 de Fevereiro de 2008

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Transcrito aqui em Salto, 7 de Março de 2010

Saudação de Charles Roy Harper Jr por ocasião do Aniversário de 80 Anos do JMC

NOTA: O Rev. Charles Roy Harper Jr é (como indica o nome) filho do Rev. Charles Roy Harper, que, com sua mulher, construíram o JMC criado pelo Rev. William Waddell.

Por ocasião da comemoração do octagésimo aniversário da fundação do JMC, no dia 9 de Fevereiro de 2008, na Catedral Evangélica da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, em São Paulo, o “Royzinho” fez a seguinte saudação.

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Saudação

por Charles Roy Harper Jr.

Na Comemoração: 80 anos da fundação do Instituto JMC – São Paulo 9 / 02 / 2008

Oitenta anos não é pouca coisa! Esta nossa saudação – da parte de Annabel Harper Swenson e de mim mesmo, filhos dos primeiros colegas missionários do Dr. William Waddell em 1928 – me faz imaginar como eram estes jovens pioneiros da pedagogia “manuelina”. O Rev. C. Roy Harper com os seus 33 anos, a D. Evelina, 29, veteranos já de dois anos da obra missionária na região de Rosário Oeste do Mato Grosso, testemunhas diretas do avanço das tropas do Luis Carlos Prestes.

A nossa mãe, D. Evelina, em meio do seu trabalho educativo, cuidou por um tempo em seu lar de uma jovem mulher alemã e sua filha, ainda bebê, do seu famoso amante rebelde. Durante dois anos os nossos pais testemunharam essa parte da historia e da sociedade brasileira – e em 1928 depois foram chamados para se lançar, ao lado de outros jovens professores – Henrique Maurer, Themudo Lessa, João Euclides Pereira, Livio Teixeira, Dario Bastos… numa experiência inédita de formação evangélica, bem além das fronteiras eclesiásticas e sociais daqueles tempos.

Assim nasceu o JMC.

Eram tempos – recordemos – da depressão econômica mundial, entre duas terríveis guerras mundiais, imigrações forçadas, preconceitos, racismos, a guerra fria entre duas ideologias…. o Brasil se arrancado da economia rural para se desenvolver em uma indústrial, intimamente ligada no princípio, como sabemos hoje, às negociações e interesses bélicos dos países aliados.

O “Jota” nasceu: somos tentados a adoçar e sentimentalizar a nossa memória coletiva e pessoal do Jota. Aquele vale, abaixo a vigília da Figueira dos Bandeirantes heróicos! Largos dias de trabalho, de convívio social, de crescimento desportivo e de madureza, das caravanas musicais, de noites de lua e de poesia cantada. Um paraíso! Certo, a memória seletiva favorece a imagem do “Jordão” fluindo através das terras férteis, uma nova Israel abundante em leite e em mel… protegido por Deus e pela comunidade de uma igreja forte e missionária!

E não foi assim, quando contamos agora aos nossos netos como foi aquele “paraíso”? Os netos e bisnetos da D. Evelina e do Dr. Harper – são 17 – vivendo seja em Califórnia, Colorado, em Londres, ou aqui no Rio de Janeiro, têm ouvido versões diversas desta aventura dos seus ancestrais.

Há hoje alguns entre nós que desejariam ressuscitar – digamos clonar – o Jota inteiro : criar mais outra instituição semelhante. Mas há outros para quem isto seria uma “Missão Impossível”! Certo, somos testemunhas esta manhã da força e da beleza do louvor a Deus através a música sagrada, um dom daqueles tempos bem desenvolvido depois pelo João Faustini. E estamos ademais muito agradecidos pelo fino trabalho para salvaguardar a memória escrita da instituição, coordenado pelo Emilio Eigenheer. Sem falar das felizes decisões tomadas pela Prefeitura de Jandira para fazer tombar e salvaguardar os prédios históricos do JMC para o bem estar de todos em Jandira.

Porém, as condições práticas pareceriam inexistentes para reproduzir o “Jota”. O contexto educativo nacional e eclesiástico estaria totalmente desenvolvido e transformado oitenta anos depois da sua fundaçao em 1928.

O mundo mudou em oitenta anos.

Parece-nos, entretanto, que o essencial da experiência “manuelina”, os profundos valores que aprendemos daquela nossa experiência – e que não se mede nem em termos institucionais nem materiais – é eminentemente relevante para responder aos desafios confrontando as novas gerações – nossas netas e nossos netos na igrejas e na sociedade, onde que estejam.

  1. O respeito do trabalho honesto – seja manual ou intelectual – sendo uma resposta contundente à corrupção do poder e do dinheiro tão evidente hoje em dia.
  1. A cooperação interdenominacional – até um profundo ecumenismo – vivido entre estudantes e entre líderes eclesiais – para acabar com o clima, hoje mais e mais evidente, das divisões e hostilidades entre extremismos religiosos, como também com a vergonhosa competitividade pelo poder de certas igrejas entre si.
  1. Um grande respeito pela natureza e uma evidente economia bio-ecológica, vivida e praticada coletivamente e diariamente no JMC: sendo este um motor de experiência nutrindo os esforços contemporâneos globais para combater a poluição e a irresponsabilidade política contamporânia frente às crises climáticas.
  1. A lúcida prática de igualdade de gênero e de origem social entre os estudantes manuelinos, sendo esta um anti-corpo ativo das injustiças sociais crescente no mundo de hoje.
  1. O respeito de uma sólida formação íntegra da pessoa, para todos, os preparando para viver e sobreviver – para servir e não para ser servidos, combatendo a ignorância a todos os níveis.

Lembramos e honramos aquelas e aqueles nossos mestres e colegas que fizeram que o espírito do Instituto de José Manuel da Conceição continue vivo.

Finalmente, agradecemos profundamente aos organizadores deste evento tão significativo por nos ter dado a oportunidade de estar juntos com vocês, celebrando e cantando os frutos do Espírito que nos anima e nos inspira.

Charles Roy Harper (Jr.)

São Paulo

9 de fevereiro de 2008

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Transcrito em Salto, 7 de Março de 2010

Abre a Exposição do Instituto JMC no Museu Presbiteriano de Campinas

Foi aberta ontem (6/3/2010) no Museu Presbiteriano “Rev. Júlio Andrade Ferreira” em Campinas (Av. Brasil 1200, na parte detrás do terreno, do outro lado da lanchonete), a Exposição do Instituto José Manuel da Conceição – escola em que eu fiz o Curso Clássico, interno, de 1961 a 1963.

A exposição contou com materiais fornecidos pelos ex-alunos e organizados pelo ex-aluno Emílio Eigenheer, tendo se tornado possível pelos esforços da Curadora do Museu, Flávia Serra de Souza Cardia e dos ex-alunos Takashi Shimizu, Eliezer Rizzo de Oliveira, Dinahyde Costa Ferraz e Donald Monteiro.

Foi linda a festa. Eis uma das muitas “fotos oficiais”. Esta foi tirada por meu neto, Gabriel Wild.

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A reunião começou com um café da manhã na cafeteria do Seminário Presbiteriano de Campinas… Continuou com um culto em uma das salas de aula do Seminário…

Teve prosseguimento no Museu, com a abertura oficial da exposição…  Na hora de olhar a mostra, não faltou saudade e nostagia… E terminou num restaurante próximo com um almoço.

Criei este blog para contribuir para que possamos ajuntar em um só lugar as centenas de fotos tiradas durante a reunião. Ele está no endereço http://institutojmc.spaces.live.com [atualmente em http://jmc.org.br].

Coloquei lá algumas das fotos que tinha e que tirei.

Na seção de fotografias, coloquei um album chamado “Simbolos” que contém ícones e símbolos do JMC. Eis alguns aqui (em miniatura).

 

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Pela ordem:

  • Rev. William Waddell, que fundou o Instituto José Manuel da Conceição em 8 de Fevereiro de 1928.
  • A gloriosa bandeira do JMC, com as letras que abreviam “José Manuel da Conceição”, o ano da fundação da escola (que durou até 1970), e o versículo biblico (em Grego) “’emoì gar to zen Christós” (“Pois para mim o viver é Cristo”) – Fil 1:21
  • Um logotipo, aparentemente mais antigo, do Instituto JMC – ou simplesmente “Jota”.
  • Um logotipo mais recente – esse logotipo estava na capa de meu convite de formatura em 1963.
  • O portão de entrada do JMC, aparentemente construído em 1948, vinte anos depois da fundação do Instituto.
  • A ponte sobre a linha da Sorocabana (km.32) e o “rio Jordão” (que, segundo dizia um hino, “eu não passarei só”), ponte essa que levava à cobiçada (mas muito bem vigiada) “Casa das Moças”.
  • Elas, as moças – isto é, algumas delas (em foto tirada em 1961).

Entre os símbolos, há também o Hino do JMC, que é ouvido no fundo, se o seu som estiver ligado e o volume estiver numa altura razoável. A interpretação é do próprio João Wilson Faustini, que criou esse arquivo mid há muito tempo, a meu pedido…

Estou criando outro album “20100305 – Abertura da Mostra do JMC em Campinas” no qual estou colocando as trezentas e poucas fotos que eu e o meu neto Gabriel Wild tiramos. 

Quem tiver tirado fotografias (digitais, naturalmente) e quiser que eu as coloque lá em um album próprio no Blog, é só me contatar pelo e-mail fotos@jmc.org.br. Fotos são coisas pesadas, mas se tiverem fotos, me contatem que eu indico uma forma fácil de transferir.

Este complementará o site do JMC que criei nos anos 90 no URL http://jmc.org.br – e que, infelizmente, não tenho conseguido atualizar [Estou começando a reatualizar aqui – 05 de Outubro de 2015]. Quem sabe este blog vira uma forma de atualização. É muito mais fácil atualizar um blog do que um site.

Um abraço a todos.

Eduardo Chaves
Em Salto, 7 de Março de 2010

O JMC nos deu educação – no sentido mais pleno do termo

[Este artigo, de 2009, tem um título que, em parte, repete o título de outro artigo que escrevi cerca de doze anos antes, em 1997 (“O JMC nos deu Educação”), e que está transcrito aqui também, mais acima. Não devem ser confundidos. O de 1997 é mais pessoal, este, mais fáctico e ao mesmo tempo teórico].

O JMC não era uma simples escola, como as outras.

O JMC era uma escola de vida.

Para começar, era um internato. A maior parte de nós, alunos, morávamos lá – isso quer dizer que vivíamos a nossa vida lá. A maior parte dos professores também. Também os diretores.

As outras escolas em geral se preocupam em encher a mente de seus alunos de informações. O JMC fazia, das cianças e adolescentes que ali chegavam, literalmente gente grande. E não só gente grande do ponto de vista intelectual: gente grande também do ponto de vista emocional, interpessoal, profissional, social, moral – humano, enfim.

Ali aprendemos a pensar com idéias próprias, a argumentar, a defender nossas idéias contra crítica, a criticar as idéias dos outros, a debater questões controvertidas (o JMC não fugia delas)…

Ali aprendemos a entender outras línguas, a nos expressar nelas e a praticá-las em clubes de línguas estrangeiras (clubes de alunos interessados em uma determinada língua, como o English Club);

Ali os professores, se você já conhecia bem o assunto da aula deles, o dispensavam da aula para trabalhar com você em tutoriais individualizados (dona Elza Fiuza Telles, professora de Francês, fez isso comigo durante os três anos que passei lá);

Ali aprendemos a conviver uns com os outros, a gerenciar nossas emoções, a lutar contra impulsos primitivos, a nos conter quando um colega nos fazia uma brincadeira de mau gosto…

Ali aprendemos a amar e a encontrar formas criativas de expressar o amor, para contornar a proibição do namoro…

Ali aprendemos a tomar conta de nossa vida, de nosso quarto, de nossas roupas, de nossos objetos pessoais, de nossos livros…

Ali aprendemos a trabalhar em atividades manuais ou braçais, limpando o chão e até mesmo o banheiro e até a privada, bem como servindo no restaurante,  trabalhando na cozinha, lavando louças, cuidando de nossas roupas…

Ali aprendemos a viver simples e frugalmente, com pouco e, por vezes, nenhum dinheiro, e a compartilhar o pouco que tínhamos…

Ali aprendemos a administrar o nosso tempo, alocando-o conforme nossas prioridades: a vida intelectual e o estudo; a música, o esporte, e o lazer; o amor e a vida social; a contemplação e a devoção…

Ali aprendemos que, de vez em quando, ficar sem fazer nada, deitados na grama, olhando para o céu, tendo apenas nós mesmos como companhia, era algo importante…

Ali aprendemos a ter responsabilidade, a responder por nossos atos – a fazer provas sozinhos no quarto, com os livros e cadernos ao lado, sem sucumbir à tentação de abri-los…

Ali desenvolvemos nosso caráter, que é (como alguém um dia disse) aquilo que fazemos quando ninguém está olhando…

Michael Hammer, o guru da reengenharia, disse, em um de seus livros, citando alguém, que educação é aquilo que fica conosco depois que a gente esquece o que nos foi ensinado.

No caso do JMC, ficou muito conosco. Somos o que somos, em grande parte, em virtude de nossa experiência no JMC.

Educação é isso: é o que resta, depois que a gente se esqueceu do que nos foi ensinado: o amor do saber, o entusiasmo pela descoberta, a fascínio pelo conhecimento, pela cultura, pelas artes, por outras manifestações tipicamente humanas, como esporte, o desejo de sempre aprender mais, o sentido de valor que nos ensina a separar o importante do urgente e a priorizar as coisas, a honestidade e a honradez, a certeza de que a vida vale a pena quando se tem um objetivo pelo qual lutar e se luta por ele sem abandonar os princípios que moldam o nosso caráter. O JMC nos legou tudo isso. O JMC nos deu educação. Talvez a melhor educação de que se tenha notícia neste país.

Por isso, a experiência, ainda que apenas de um ano, no JMC marcou todos os seus alunos.

É por isso que, quarenta anos depois de seu fechamento em 1970, seus ex-alunos ainda se apegam à memória da instituição, querem preservá-la, não conseguem se conformar que ela se perca com a morte, cada vez mais freqüente agora, dos manuelinos. É uma tristeza reconhecer que não existem mais manuelinos com menos de cinqüenta anos, por aí… e que dentro de uns trinta anos, no máximo, provavelmente não haverá mais nenhum manuelino vivo.

Por isso essa obsessão por preservar a memória, contar e registrar a história, para que filhos, netos, bisnetos saibam que um dia houve uma escola contra a qual nenhuma voz jamais se levantou e que todos os que passaram por lá amam com devoção… Há ex-alunos com mais de 90 anos, que amam o JMC com devoção até hoje. E para que saibam, também, e esse o lado negro da história, que a escola foi fechada, quarenta anos atrás, pelo medo – ou, o que é pior, por interesses escusos… E para que saibam que os que estiveram envolvidos no processo ou já morreram ou, se ainda vivos, preferem morrer a revelar o que realmente aconteceu.

Por isso o Museu Presbiteriano, com sede no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, decidiu, neste ano em que se celebram cento e cinqüenta anos do presbiterianismo no Brasil, acolher o pedido da Associação dos ex-Alunos do JMC de fazer uma mostra, no início de 2010, do que foi o JMC. Oitenta e dois anos depois de ele ter sido fundado. E quarenta anos depois de ter sido fechado.

São Paulo, em 3 de Dezembro de 2009

Eduardo Chaves (*)
eduardo@chaves.com.br

(*) Depois de fazer o Curso Clássico no JMC, de 1961 a 1963, Eduardo Chaves estudou no Seminário Presbiteriano de Campinas, SP, do qual foi expulso em 1966, na Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em São Leopoldo, RS, que, em 1967, o acolheu, no Presbyterian Theological Seminary, em Pittsburgh, PA, Estados Unidos, onde, sem ter diploma de graduação, obteve seu Mestrado em Teologia (1970), e na University of Pittsburgh, também em Pittsburgh, onde, em 1972, obteve seu Doutorado em Filosofia (Ph.D.), menos de nove anos depois de se formar no JMC.

Eduardo Chaves foi, durante 35 anos, professor universitário. Desses 35 anos, passou 32 anos como Professor (dos quais 26 como Titular) no Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), da qual se aposentou ao final de 2006.

Na UNICAMP foi Diretor da Faculdade de Educação durante oito anos (quatro como Associado e quatro como Titular) e foi Pró-Reitor para Assuntos Administrativos, de 1984 a 1986.

Em 1986-1987 foi Diretor do Centro de Informações Educacionais da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo, e em 1987-1990 do Centro de Informações de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Em 2007 foi Secretário Adjunto de Ensino Superior do Estado de São Paulo.

De 2007 a 2009 foi Presidente do Instituto Lumiar, e atualmente é membro do Conselho da Aliança Francesa de Campinas, do Programa EducaRede da Fundação Telefônica, e do Instituto Crescer para a Cidadania, os últimos dois com sede em São Paulo. É, também, desde 2003, membro do International Advisory Board do Programa Partners in Learning da Microsoft Corporation, com sede em Redmond, WA, EUA.

Ele mora em Salto, SP (onde pode ser contatado através da Caixa Postal 52, Agência Central dos Correios, 13320-970, Salto, SP).