Discurso do aluno Antonio Elias no Funeral do Dr. Waddell

NOTA:

O texto a seguir foi publicado no site original do JMC que mantive, neste mesmo endereço, no final da década de 1990, começo da de 2000. Transcrevo-o com vistas ao Encontro dos Manuelinos, que terá lugar em Campinas, a partir de amanhã, 20.09.2019 até 22.09.2019.

EC

…SENHORES:

— “Diga aos moços que trabalhem!” –

Diga aos moços que trabalhem, foi a mensagem grandiosa que nós, os estudantes do Conceição, recebemos do Dr. Waddell, nos últimos dias de vida de sua preciosa existência.

Essa mensagem repercutiu profundamente em nossos corações, porque acima de tudo, vale a pena seguir-lhe o exemplo nobre e honroso, – exemplo de quem sempre trabalhou com a grandeza moral, intelectual e sobre tudo espiritual de milhares de nossos patrícios.

A evangelização na Baía é um atestado vigoroso do quanto fez êsse venerando servo de Deus. Há 40 anos passados, lá estava o dr. Waddell, lutando contra as dificuldades e meios de comunicação. Viajando a cavalo meses a fio, desprovido de todo o conforto material, atravessava regiões inóspitas, áridas e perigosas.

Seu ideal era socorrer os necessitados do pão para a alma e muitas vezes, para o corpo. São inúmeras as conversões dêsse trabalho fecundo, tanto no estado da Baía, com em São Paulo; almas que se decidiam por Cristo, movidas, ora pela sua palavra autorizada, persuasiva e piedosa; ora pelo seu exemplo luminoso de abnegação, amor e fé!

A obra missionária no Brasil perde, portanto, com a partida do Dr. Waddell, um grande obreiro. O dr. Waddell não foi tão somente um valoroso missionário. O colégio de Ponte Nova, Baía, fundado por ele, onde funciona a segunda escola normal daquele Estado – segunda pelo grau de disciplina e cultura; o Mackenzie College, um dos mimos de S. Paulo, do qual ele foi seu presidente por alguns anos; e, finalmente, o “Conceição”, um dos seus sonhos realizados nesta última década, são um atestado vivo de que ele foi também um grande educador.

Educador e mestre excelente!

Muitos ministros, professores e doutores receberam do ilustre pedagogo, á semelhança de S. Paulo aos pés do sábio Gamaliel, lições preciosas, que, os impulsionaram á conquista elevada da posição em que se encontram hoje.

Mestre excelente perde o magistério brasileiro!

Mestre e amigo sincero, leal e desprendido. Amigo que sabia aconselhar, confortar e apontar o caminho da verdade e da vitória. Sempre solícito, sempre pronto a servir, ia ao sacrifício, se fosse preciso, para resolver problemas e dificuldades alheias. Afirmo isto, interpretando particularmente o pensamento unânime dos meus colegas do Conceição.

E agora que perdemos o grande missionário, grande educador, grande mestre e amigo, que havemos de fazer? Apenas garantir que lhe seguiremos os passos com as nossas lágrimas – expressão sincera da saudade.

Partistes, pois, Dr. Waddell, para a mansão celestial! Fostes receber no céu a coroa de glória

incorruptível.

Haveremos de vos honrar a memória, pondo em prática o vosso derradeiro pedido: “Moços, trabalhai!”

Sim, a obra portentosa que iniciastes há de continuar, porque ela é de Cristo.

Dr. Waddell – nosso grande mestre e grande amigo – Adeus!

Discurso pronunciado pelo sr. Antonio Elias, representando o corpo discente do Instituto José Manoel da Conceição, no cemitério, por ocasião do enterro do Rev. William A. Waddell, fundador do JMC. 

Transcrito aqui neste blog em Salto, 19 de Setembro de 2019

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Gírias Manuelinas (texto antigo)

NOTA:

Texto meu que publiquei no antigo site do JMC no final da década de 1990, começo da de 2000. Compartilho-o aqui.

. o O o .

Estou interessados em cadastrar gírias usadas no JMC, em qualquer momento. Algumas que já foram lembradas são:

Botina (subst) – paixão. “Quem é a botina dele?”

Botinudo (subst) – pessoa apaixonada. “O Elizeu é o maior botinudo do Jota” (nome não necessariamente de alguém real)

Comer os breads (expr verb) – fazer muito bem, ir bem (geralmente dito de alguém que pregou um sermão, mas também aplicável ao desempenho numa prova). “O Borjão, como sempre, comendo os breads”. “Comi os breads na prova de Português”. O oposto de “picar o fumo”.

Fio / Filho (subst) – colega de quarto (independentemente de idade). “Ei, fio, vamos ver se limpa o seu lado do quarto”. Ver “véia”.

Matar o Camões (expr verb) — cometer erro de Português. “Preciso estudar mais um pouco o Napoleão: ando matando o Camões demais”. Variantes: “assassinar o Camões”, “esganar o Camões”, etc.

Perna grossa (adj) – convencido, cheio de si, “metido”. “Aquele calouro é um perna grossa; merece uma lição”.

Picar o fumo (expr verb) – não fazer bem, ir mal (geralmente dito de alguém que pregou um sermão). “Picar o fumo bem fininho” é ter um desempenho realmente ruim. “Aquele gringo realmente picou o fumo no culto ontem”. “Onde é que você vai picar o fumo domingo?” (Onde é que você vai pregar [pressupondo-se que mal] domingo?). O oposto de “comer os breads”.

Véia / Velha (subst) – colega de quarto (mesmo que do sexo masculino). “O Paulão foi minha véia em 1961 — até que a gente se desentendeu…”. Ver “fio”.

Lembra-se de outras gírias? Envie para: ec@jmc.org.br.

As gírias acima eram todas usadas na década de 60, mas possivelmente bem antes também.

Transcrito aqui neste blog em Salto, 19 de Setembro de 2019.

O Exemplo Vivido e o Testemunho Proclamado

[30 de Junho de 2018, Sábado de madrugada (quase 3h da manhã)]

Compartilho com vocês, Manuelinos, com a devida autorização da autora, carta que me foi enviada por Dirce Vieira Machado de Oliveira, mulher do Otoniel Marinho de Oliveira, apelidado de “Tonhé”, meu colega de classe no Curso Clássico, de 1961 a 1963, no JMC. A Dirce é também irmã de Dioraci Vieira Machado, meu grande amigo, presbítero da Catedral Evangélica de São Paulo, e de um ex-manuelino, Domingos Vieria Machado, apelidado “Branco”.

Pedi permissão à Dirce para digitalizar e compartilhar a carta com os colegas do JMC porque acho que ela reflete de forma muito feliz a “Essência do JMC”. A Dirce nunca foi manuelina, no sentido estrito: nunca estudou ou viveu lá. Mas é mulher de um manuelino e irmã de outro. E relata aqui o que esses dois manuelinos, o Tonhé e o Branco, lhe disseram e lhe mostraram acerca da nossa escola querida.

O conhecimento que a Dirce revela acerca do JMC é baseado em exemplo de vida e testemunho. E podemos continuar a viver desse jeito e a dar esse testemunho, mesmo na ausência física de nossa escola, que foi fechada em 1970.

Aqui vai a carta, originalmente manuscrita em três folhas, com o meu agradecimento à Dirce, por ter escrito a carta e por ter autorizado a sua digitalização e divulgação. O estilo dela é, por vezes, desnecessariamente formal. Ela me chama, por exemplo, de “Senhor Eduardo Chaves”…). A pedido da Dirce, agi como um editor aqui e ali.

 o O o

“Senhor Eduardo Chaves:

Não fui aluna do JMC, mas, se olharmos para o Currículo do “1º Ciclo do Seminário Menor” do Instituto José Manuel da Conceição, constatamos que, no que diz respeito ao Currículo, além das disciplinas comuns entre essa escola e os ginásios que nós, de fora, cursávamos, disciplinas como Português, Matemática, Ciências, História do Brasil e Geral, Geografia Geral e do Brasil, Inglês, Francês, Latim, Desenho, etc., havia também Música, Bíblia e Canto Orfeônico. Se olharmos à Avaliação, no JMC os alunos eram avaliados em todas essas disciplinas, comuns com outras escolas ou não, mas sua avaliação era mais abrangente, incluindo as muitas experiências enriquecedoras que eles vivenciavam na organização de caravanas e na participação nelas, em visitas a igrejas, no envolvimento em grêmios estudantis, na ministração de palestras, no engajamento em encontros, bem como em atividades internas, como a limpeza do quarto, a ajuda na cozinha e no refeitório, na gestão de materiais e serviços, em campeonatos esportivos, e outros.

A escola era voltada para preparar aqueles que pretendiam viver sua vida acadêmica em Estudos Superiores de Teologia, como já registrava o Certificado de Habilitação no 1º Ciclo. Mas ela preparava também para o trabalho em outras áreas essenciais da Igreja, como a Música: canto, coral, instrumentos (piano e órgão), etc.

Havia também no JMC a vivência do amor, da confiança, e do respeito, pois os alunos conviviam diariamente com os professores, dentro e fora da sala de aula (os professores moravam no campus), pessoas que viviam e modelavam a sua fé e os seus ideais, e, através de relacionamentos humanos saudáveis, louvavam a Deus – e isto não somente no culto matinal, em que todos cantavam com muito entusiasmo, sendo motivados a viver uma vida com propósito e com sentido, mas também no dia-a-dia, pois a escola era de tempo integral, na verdade um internato, em que tudo o que se fazia, o dia inteiro, era considerado como parte relevante da educação de cada um.

Vim a saber, também, que nessa escola havia três Grêmios Estudantis: o Grêmio Castro Alves, dedicado a elevar a vida cultural dos alunos; o Grêmio Miguel Torres, que cuidava do aspecto espiritual da vida dos alunos; e o Grêmio Esportivo, que cuidava da saúde do seu corpo e da aprendizagem de formas de competir leais e respeitosas. Esse terceiro grêmio patrocinava a prática de futebol de campo, futebol de salão, basquete e vôlei.

Nos Ginásios que frequentávamos, longe do JMC, havia apenas um Grêmio Estudantil, sem grande sentido, pois sua única tarefa era produzir as Carteirinhas Estudantis para que pagássemos meia-entrada nos cinemas da cidade…

No JMC cada aluno era responsável pela limpeza de seu quarto e de sua roupa, que era lavada, passada, e, não raro, engomada. Eram responsáveis também pela manutenção dos espaços comuns.

Os alunos participavam ainda da aplicação das provas. Em dia de provas, um dos alunos assumia a responsabilidade de buscar a prova na Secretaria e distribuí-la para os colegas, e cada um podia fazer a prova na própria sala ou, em alguns casos, em seu próprio quarto – fato que reforçava seu comprometimento com a honestidade e a responsabilidade.

Os alunos tinham também um Conselho dos Alunos, que tinha a atribuição de fazer a primeira análise de problemas de comportamento e conduta dos colegas, como indisciplina, antes de o caso ser encaminhado à Congregação dos Professores. O Conselho dos Alunos também analisava necessidades especiais de alunos, caso a caso.

O ambiente físico da escola era muito simples e frugal, e a maioria dos alunos era muito carente. Alguns eram mais velhos, fazendo o Ginásio já com mais de 18 anos. Mas todos sabiam por que estavam ali e tinham sede de aprender e saber. Tudo era muito humilde – mas se vivia ali como em uma família, que podia ser financeiramente pobre mas era rica em afeto e solidariedade.

No JMC o jovem tinha oportunidade de examinar sua vida, definir o seu futuro, crescer em conhecimento e responsabilidade, ao vivenciar os valores que a instituição apregoava e vivenciava.

De fato, a escola era viva – e uma parte essencial da vida de cada um!

Dirce Vieira Machado de Oliveira

Casada há 50 anos com um manuelino, Otoniel Marinho de Oliveira, e irmã há mais tempo de outro, Domingos “Branco” Vieira Machado.

Fernandópolis, 24 de Junho de 2018″.

Transcrição aqui neste Blog em São Paulo, 30 de Junho de 2018

O JMC: Seu Corpo e Sua Alma

[Artigo de Eduardo Chaves, publicado em O Estandarte, órgão oficial da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, de Fevereiro de 2018, em comemoração aos 90 Anos da fundação do Instituto José Manuel da Conceição.]

Em 8/2/2018 comemoraremos 90 anos da fundação do Instituto “José Manuel da Conceição” (JMC) – escola-internato de educação básica fundada em 1928 por William A. Waddell em Jandira, SP. Enquanto instituição, o “Jota”, como era chamado, durou 42 anos: morreu cedo, em 1970. Há gente, ainda viva, que sabe bem qual foi, exatamente, sua causa mortis, mas faz questão de não compartilhar – imagino que por vergonha (ainda que vergonha alheia) ou para evitar constrangimentos, a vivos e a mortos.

Mas não é dessa história triste que pretendo falar aqui.

Quero, primeiro, constatar um fato sobre o qual nada podemos fazer. Quem entrou com treze anos no JMC em 1970, último ano de sua vida como escola, nasceu ao redor de 1957, e tem, hoje  (começo de 2018), cerca de sessenta anos. Mais quatro décadas e provavelmente não haverá mais ninguém vivo que tenha estudado ou trabalhado no Jota que possa celebrar seu aniversário.

Quero, no entanto, falar sobre algo mais alegre e promissor.

Organizações, como seres humanos, têm corpo e têm alma. O que mataram do JMC foi apenas o seu corpo. E Jesus, um dia, sabiamente nos advertiu (Mt 10:28): “Não temais os que podem matar o corpo mas não podem matar a alma”. . .

Os que mataram o corpo do JMC não conseguiram, até aqui, matar a sua alma. Até tentaram. Por isso celebraremos em 2018 os 90 anos de sua fundação. A alma do JMC continuou a viver depois da morte de seu corpo – e vive até hoje, quase cinquenta anos depois do assassinato de seu corpo. Prova disso é que nos dias 22 a 24/09/2017 cerca de setenta “manuelinos” se reuniram em Campinas, SP, para honrar e celebrar a alma daquela instituição notável. A alma do JMC continua a viver, não só na memória daqueles que um dia estudaram ou trabalharam lá, mas, também, na memória daqueles que, tendo apenas ouvido a sua história, resolveram adota-la como sua, tornando-se “manuelinos de coração”.

Organizações, como o JMC, podem continuar a ter vida depois da morte de seu corpo, através da memória que deixaram – memória que pode representar a renovação da esperança! As nossas celebrações são como a Eucaristia: “Fazei isso em memória de mim!”

O JMC um dia teve um corpo, que hoje está morto: deixou de ter vida. Mas a alma do JMC é outra coisa. Ela consiste daquilo que vivenciamos em Jandira: os conhecimentos que construímos; as competências que desenvolvemos; os valores que herdamos, adotamos ou criamos; as músicas que aprendemos, compusemos e cantamos; as vozes que aperfeiçoamos; os instrumentos musicais que dominamos; os esportes nos quais pelejamos e pelos quais demos nosso sangue; os relacionamentos que mantivemos; as amizades que formamos; os amores que em nós nasceram; as desilusões que sofremos; as atitudes e posturas que incorporamos; os hábitos que se tornaram nossa segunda natureza, fazendo de nós o que somos hoje… Essa é a alma do JMC! E ela continua viva naqueles que estudaram ou trabalharam lá. Essas coisas todas se incorporaram em nós, encarnaram-se em nossa vida, passaram a ser parte de nós, adotaram o nosso corpo como sua casa – quiçá como seu templo, enquanto esse templo durar…

Mas um dia o corpo de todos nós que estudamos ou trabalhamos no JMC estará morto também. A boa notícia (boa nova, evangelho!) é que a alma do JMC não precisa morrer com o corpo dos que estudaram e trabalharam lá: e ela não morrerá SE mantivermos viva a história do JMC e SE preservarmos acesa a chama de sua memória…  “Ide por todo o mundo e proclamai . . .”

Para que isso aconteça precisamos “evangelizar” as novas gerações, transmitir para elas as boas novas que um dia vivenciamos: na dimensão vertical, para os nossos filhos, netos, bisnetos, sobrinhos; em dimensões horizontais e transversais, para os nossos amigos, os filhos, netos, bisnetos e sobrinhos deles…

Minha esperança foi literalmente renovada no encontro de Campinas ao lá ver crianças – várias delas, correndo, brincando, curtindo umas as outras, como a gente um dia se curtiu no Jota! Segundo narraram seus pais, algumas dessas crianças já participaram de vários desses encontros e anseiam por eles como o importante momento em que vão encontrar seus amigos dos encontros anteriores, crianças como elas, manuelinos como elas, que, entretanto, nunca colocaram o pé em Jandira (como boa parte de nós nunca colocou o pé na Palestina…), mas que se orgulham de manter viva a história e acesa a chama da memória do JMC. . .

Neste ano de 2018, também em Setembro, nos dias 21 a 23, haverá outro encontro, em lugar a ser anunciado (**). Você que me lê, pode se tornar um manuelino . . . Este é literalmente um apelo! Não deixe de visitar o site do JMC (https://jmc.org.br) ou a página do JMC no Facebook (https://www.facebook.com/institutojmc/) para saber os detalhes do próximo encontro e para deixar o seu endereço para receber comunicados… Ou para bater papo com os manuelinos em vários grupos de discussão no Facebook, lá indicados, vindo a fazer parte da família manuelina!

O dito de Jesus deixa claro que os que matam o corpo em regra não são capazes de matar a alma… mas ele não diz que a alma não pode morrer. Ela pode morrer, sim. Na verdade, SE a gente não tomar alguma providência, a alma do JMC morrerá conosco – com a morte do nosso corpo. Mas a morte da alma não é um “imperativo categórico”, inevitável, como a morte do corpo: ela pode sobreviver à nossa morte, mas para que isso aconteça, não podemos ficar parados…

Deus não faz por nós aquilo que podemos – e devemos – fazer.

Eduardo CHAVES (**)

Escrito em Cortland, OH, EUA, 1º de Janeiro de 2018, e publicado aqui em 4 de Março de 2018.

(*) Já é possível confirmar o local do encontro de 2018: será em Campinas, SP, no mesmo hotel em  que o realizamos no ano passado (2017). E a data, repetindo, é de 21 a 23 de Setembro, sexta-feira a domingo. RESERVEM A DATA. (5 de Março de 2018.  Confirmação do local obtida de Jairo Brasil, que ficou encarregado dessa missão). 

(**) Eduardo Chaves é manuelino de segunda geração: ele estudou no Instituto JMC de 1961 a 1963 (três anos), mas seu pai, Rev. Oscar Chaves, também estudou lá, de 1934 a 1938 (cinco anos). De 1974 a 2006 Eduardo Chaves foi Professor de Filosofia da Educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), de 2007 a 2013 foi Professor de Educação, Mudança e Inovação no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), no campus de Americana, e de 2014 a 2017 foi Professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (FATIPI). Ele pode ser contatado através do e-mail ec@jmc.org.br.

 

Alguns Poemas e Hinos Escritos pelo Rev. Oscar Chaves

1. Saudades de Minas

(De Oscar Chaves, JMC, 1934)

O sol vermelho e triste, caindo em cheio
Sobre as matas e as campinas,
Faz-me lembrar das tardes frescas
E saudosas lá de Minas…

O sol claro e lindo, cheio de raios
Resplandecentes, faz-me lembrar
Da terra linda e encantadora
De Tiradentes…

Lá nas mangueiras, bem de manhã,
O sabiá canta u’a melodia…
Depois a rola arrulha triste,
Despedindo-se do belo dia…

E, assim, na minha terra tudo tem um canto
De alegria… Desde a alva tudo ri,
Tudo salta, tudo vive, e cantante é o viver,
Desde a luz da madrugada até a lua aparecer!

(Nota do autor: Essa poesia eu a escrevi no meu primeiro ano de estudo no Curso Universitário “José M. da Conceição”, em 1934, quando senti a nostalgia de quem está longe do lar e da igreja (no ano anterior, 1933, eu tinha feito a profissão de fé em Patrocínio, com o Dr. Eduardo Lane). [O autor tinha 21 anos ao escrever o poema, nascido que era em 11/10/1912].

2. Por que Choras?

(De Oscar Chaves, JMC, 1938)

“E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro.
Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras?”
João 20:11,15

Junto ao sepulcro, chorando,
Na manhã daquele dia,
Estava a fiel Maria
O Salvador procurando.

Chorava a serva leal,
Com coração aflitivo,
Pensando estar sepultado
Aquele que estava vivo.

Mas Jesus, que conhecia
Dos humanos a fraqueza,
No rosto leu, de Maria,
A causa de tal tristeza.

E disse-lhe: Por que choras,
Como os que vivem sem luz?
A morte já foi vencida,
Porque vivo está Jesus!

Há muitos que, qual Maria,
Numa vida sem bonança,
Não têm paz nem alegria,
E choram sem esperança!

Não têm o Cristo dos céus,
Que sara toda amargura,
Pois confiam num Cristo morto,
Debaixo da sepultura!

Por que choras, meu irmão,
Como a triste Madalena?
Já ressuscitou Jesus
E do teu sofrer tem pena.

Levanta o olhar bem p’ra cima,
Tira os teus olhos do chão!
No céu está quem te anima,
Por que choras, meu irmão?

3. Aviva-me

(Letra de Oscar Chaves)

Eu salvo estou em Cristo, meu amado Salvador,
Eu tenho garantia no sangue expiador.
Mas para gozar paz até no meio do sofrer,
Minh’alma avivamento deve ter!

Coro:

Aviva-me, Senhor! Aviva-me, Senhor!
Eu quero ter servir com mais amor!
Meu débil coração de forças vem encher,
Ó Santo Espírito Consolador!

Oh, cria em mim, meu Deus, um santo e puro coração,
Dirige os passos meus, com tua santa mão!
O mal que te entristece não me deixes praticar,
Teu sangue pode me purificar!

Alegre nos teus passos quero sempre caminhar,
Nos teus possantes braços eu posso me amparar!
Oh, serve-te de mim no teu serviço, meu Jesus,
E eu andarei, assim, na tua luz!

4. Graças pela Igreja

(Letra de Oscar Chaves)

Graças dou por esta igreja que o Senhor aqui plantou,
Pelo som do Evangelho que ela sempre proclamou!
Pelos pobres pecadores que aqui acharam luz,
Pelas almas convertidas que aceitaram a Jesus!

Graças pela mocidade, sempre alegre, a brilhar,
Graças pelas criancinhas, que aqui têm outro lar!
Graças dou pelas senhoras e pelos varões também
Que em prol do Evangelho dão de si tudo que têm!

Graças dou pelo Coral, sempre firme e vencedor,
Que através de temporais tem louvado o Salvador!
Graças por irmãos queridos que já estão além do véu,
E por outros qu’inda lutam caminhando para o céu!

Graças do pela doutrina e a firmeza que ela traz,
Pela Bíblia que ensina ser Jesus a nossa paz!
Ó Jesus, Senhor da Igreja, para ti todo o louvor,
Toda a glória tua seja pelo teu imenso amor.

5. A Luta do Bem

(Letra de Oscar Chaves)

A vida cristã é feliz,
Apesar da tristeza e da dor,
Pois no meio da luta,
Ajudando a vencer,
Conosco está o Senhor!

Coro:

Vamos todos na luta do bem
O Evangelho de Cristo pregar,
Pois só ele, Jesus, é quem tem
O remédio eficaz
Para o mundo salvar!

Há muitos que vivem sem luz
Tateando nas trevas do mal,
Com a vida infeliz,
Com triste final,
Precisam de Cristo Jesus!

O tempo já passa veloz
E Cristo não tarda a voltar,
E este mundo perdido
Precisa de nós,
Senão não se pode salvar!

6. Privilégios do Crente

(Letra de Oscar Chaves)

Nós somos crentes em Jesus
E não seguimos mais o mal!
Remidos somos, já temos luz,
E temos novo ideal!

A vida nova agora temos,
Pois o pecado fica atrás!
No evangelho de Jesus Cristo
A nossa vida encontra a paz!

Nós somos servos do Senhor,
Fomos comprados lá na cruz,
E agora, em prova do nosso amor,
Levemos outros a Jesus!

Deixemos nossa luz brilhar
Porque o mundo em trevas jaz!
Só o redimido pode mostrar
Que o Evangelho satisfaz!

Seja bendito o nosso Deus
Por esta grande salvação,
Pois no caminho que leva aos céus
Sempre nos guia a sua mão!

Ao Salvador que nos salvou
Cantemos glória, glória, glória,
Pois pelo sangue que derramou
Temos certeza da vitória!

7. Nossa SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina)

(Letra de Oscar Chaves)

Neste mundo confuso e perdido
Densas trevas encobrem a luz!
Corações todo dia desmaiam
E sucumbem com o peso da cruz!

Coro:

As mulheres cristãs desta igreja
Se uniram num só coração
Para as trevas do mundo espancarem
Com a Bíblia Sagrada na mão!
Com a Bíblia Sagrada na mão!

De semana em semana vão elas
Visitar os mais fracos na fé,
Pelos bairros e pelas vielas
Colocando os caídos de pé!

Muitas vezes seus lares deixando
Nossa SAF tem este ideal:
Vai cantando, vai lendo e orando,
Vai vencendo com o bem todo o mal!

(Para ser cantado com a música do Hino 642 do “Salmos e Hinos)

8. Acróstico: A Mulher PRESBITERIANA

(Por Oscar Chaves)

Preparada sempre pra servir,
Resoluta, confiada no Senhor,
Ela luta e vive a sorrir,
Sem orgulho, sem jaça, sem tremor!
Brandindo a Divina Espada,
Iluminada pela luz do céu,
Tem a vida bem iluminada,
Esperando a glória além do véu!
Reprovando todo o mau caminho,
Instruindo os que vivem sem luz,
A ninguém ilude e nem engana!
Na vida sempre anda com Jesus
A formidável mulher PRESBITERIANA!

Transcrito aqui, à parte da biografia, em Salto, 11 de Outubro de 2017

Relato do Terceiro Dia e Apanhado Geral: 24/9/2017

O terceiro dia do Encontro dos Manuelinos de 2017, como o primeiro, foi curto: às 14h tínhamos de estar fora dos quartos e, logo depois, quase todo mundo já havia ido embora. Um ou outro, que mora longe, ficou para viajar apenas na segunda-feira cedo. Todo mundo lamentava que o tempo tivesse passado tão rápido. Embora no calendário fossem indicados três dias, na verdade foram só dois: de 14h do dia 22 até às 14h do dia 24. Quarenta e oito horas é pouco para quem tem tanto a rememorar, a conversar, a mostrar, a indagar… E alguns chegaram bem depois das 14h no dia 22 e outros saíram mais cedo no dia 24. E houve alguns que, por força de compromissos familiares ou profissionais, só vieram por (parte de) um dia: o Eliezer Rizo, no sábado, e o Assir (Gordurinha) e a Dayse Pereira, no domingo. O Geodi Camargo Almeida, acompanhado da mulher (de cujo nome infelizmente me esqueço) só chegou no sábado – mas ficou até o fim no domingo…

Ontem (24/9, domingo) tivemos um café da manhã longo e preguiçoso, que se estendeu das 7 às 10h. O refeitório se tornou um excelente local de bate papo. A gente se juntava ao redor de uma mesa, depois de outra, e, sentindo vontade de beliscar alguma coisa, sempre podia voltar à mesa e pegar um outro pão de queijo, um sonho, um copo de suco, mas um cafezinho preto… Mas outros preferiram conversar curtindo o sol à beira da piscina. O Almir primeiro avisou a gente de que teríamos de estar com todos os nossos pertences fora do quarto até o meio dia. Depois o Jairo foi até a recepção, jogou o charme dele em cima da recepcionista, e conseguiu que o prazo fosse estendido até às 14h… Mas, a essas alturas, eu, “caxias” como sempre, já tinha colocado todas as minhas coisas no carro…

Antes do almoço tiramos uma foto geral perto das mangueiras. Para que saísse todo mundo tivemos de nos posicionar em filas: os mais altos atrás, os de tamanho menor na frente, e um bando de nós agachados (quase que escrevi com x). Agachar até que não foi difícil. Mas depois de várias fotos, tiradas com os telefones de meio mundo, o duro foi levantar. Foi preciso que vários colegas funcionassem meio como guinchos, levantando os colegas acocorados… Ficar velho, por mais que tentem nos convencer do contrário, não é fácil. Eu era um dos agachados. Por isso, acabei não tirando uma foto. Espero que quem tirou as poste rapidamente na página:

https://facebook.com/institutojmc/

Depois, o almoço final, com lembretes, e tudo. E daí começaram as despedidas. Eu saí meio de soslaio, só me despedindo dos que estavam à mesa comigo: o Elizeu, a Marly, a Elke, o Gordurinha e a Dayse. Tinha prometido uma carona para o Javan Ozias Laurindo (até a Rodoviária de Campinas) e o Paulo Cosiuc (até o apartamento dele, em Campinas) e eles já estavam prontos para ir há algum tempo – eu inzonei um pouco para ir almoçar e acabei me atrasando.

Chegando aqui em casa, em Salto, estava sozinho. Minha mulher, Paloma, estava voltando de Natal, onde havia ido dar uma palestra, e, na volta, ia ficar em nosso apartamento em São Paulo, porque amanhã, terça-feira, tem aula na USP, onde está fazendo o doutorado. Aqui fiquei remexendo nos meus guardados do JMC, vendo fotos, lendo coisa que fazia tempo eu não lia. Chamou-me a atenção as folhas datilografadas com os dados de uma campanha financeira que o JMC fez no segundo semestre de 1963, meu último ano lá. Eu nem me lembrava, mas fui capitão do time de arrecadação dos alunos (havia um capitão dos professores, que era o Rev. Olson Pemberton, um do pessoal externo, e o “general” dos capitães, que era o Renatinho. Fiquei admirado com quanto consegui arrecadar. Fui até o Rio de Janeiro, visitei várias igrejas lá, preguei na Igreja Presbiteriana de Ramos, onde era pastor o Rev. Domício Pereira de Mattos, que havia sido colega de meu pai no Seminário, visitei várias cidades do interior de São Paulo e do Sul de Minas, rodei a capital de São Paulo, e acabamos por arrecadar basicamente a mesma coisa que o time dos professores arrecadou. Não me lembrava desse episódio. Mas ao reler os relatórios, e ver que os capitães podiam descontar as despesas de viagem do montante arrecadado, lembrei-me de que, ao ir ao Rio, e era a primeira vez que o fazia, não pude deixar de dar uma volta pela Praia de Copacabana – onde tomei o refrigerante de uva Grapete pela primeira vez. Gostei tanto que tomei dois (as garrafinhas eram pequeninas, tipo caçula).

Li alguns relatórios do Rev. Harper e da Dona Evelyna, escritos em Inglês, para a Missão, li alguns números de O Idealista, a newsletter do Jota, e fiquei naquele estado de espírito de quem está tentando estender ao máximo a experiência de estar junto de colegas tão queridos e que, infelizmente, vemos tão pouco… Eu sei que quando a gente está acima dos 60 é difícil adquirir novos hábitos, em especial hábitos relacionados com a tecnologia. Mas se fizéssemos um esforço de nos comunicar, entre os encontros, pelo Facebook, a gente poderia ir adiantando os papos que seriam retomados em contexto presencial, durante o encontro. Apesar dos dois dias, houve gente com quem conversei, face-a-face, muito pouco. Houve outros com quem conversei mas de quem não consegui extrair informações que gostaria de ter.

Peço à Jacira e ao Almir para me enviar, se possível, a lista com os nomes dos participantes e, se possível, os anos em que eles estudaram no JMC, para que todos saibamos exatamente quem estava lá, acompanhado de quem (o Ronan levou a família inteira, até as netas), quais eram os Manuelinos Honorários que estavam lá, por quem eles foram convidados pela primeira vez…

Já me comuniquei, de ontem para hoje, com a mulher do Otoniel Marinho de Oliveira, de Fernandópolis, cujo nome é Dirce Machado de Oliveira, que me garantiu que vai fazer de tudo para leva-lo no próximo encontro. Ela é irmã de um grande amigo meu, Dioraci Machado, presbítero da Primeira Igreja Independente de São Paulo, e agora em processo de implantar uma IPI em São Carlos. Eles me informaram que um irmão dos dois, Domingos Vieira Machado, apelidado Branco, estudou lá também, acho que por um ano. Alguém conheceu ou se lembra dele? Quem sabe ele vem também no próximo encontro. E quem sabe o Tonhé traz o filho (Otoniel Marinho de Oliveira Jr), que é pastor, acho que em Guararema, para abrilhantar os trabalhos, e, junto com a mãe, ganhar o título de Manuelino Honorário.

O tempo é curto – e para quem tem a nossa idade, mais curto ainda. Acabei de saber de uma prima de minha mulher, Yara Le Du, de minha idade, filha do Rev. Jacques d’Ávila, da Igreja Metodista, que alguns podem ter conhecido, foi internada para uma operação que não deveria ser complicada, mas contraiu uma infecção, no corte, que se generalizou e ela acabou morrendo esta madrugada. Em poucos dias foi, de uma pessoa que estava mais ou menos bem, para alguém que apenas vive em nossa memória. Precisamos aproveitar bem os dias que nos restam – e é bom fazê-lo entre amigos de muito tempo… Carpe Diem.

Em Salto, 25 de Setembro de 2017

O Segundo Dia do Encontro: 23/9/2017

O segundo dia do encontro começou preguiçoso, com os participantes aparecendo para o café entre 7 e 10h da manhã. Alguns tiveram de ser literalmente tirados da cama, porque ficaram proseando até tarde no dia anterior… Muita gente, para aproveitar a ocasião, esticou o café o quanto deu, ficando mais de duas horas a tomar suco, yogurte, café com leite, comer pão de queijo, sonho, e outros quitutes…

Às 10h30, por aí, foi mostrado um filme (tipo slides animados e com fundo musical) mostrando fotos de diversas épocas no JMC. Quase todos os ex-alunos presentes apareceram em algum momento — muito mais jovens, magros, elegantes, como, infelizmente, é de esperar. A Jacira Costa me prometeu dar uma cópia para eu postar por aqui.

Depois, almoço, seguido, para alguns, de uma horinha se descanso.

À tarde, papo em volta da piscina, fotos, etc. Por volta das 17 o Coral (i.e., aqueles dispostos a cantar em um coral improvisado) saíram para ensaiar. Disponibilizei na página no Facebook dois vídeos do pessoal cantando à noite.

Depois do jantar, tivemos, à noite, um culto simples, do qual fez parte integrante uma Santa Ceia. Ao final, os Manuelinos Honorários presentes no Encontro receberam seus certificados.

Se não estou muito inspirado neste relato, é porque já chega perto de 1h30 de amanhã, último dia do encontro, e eu estou com muito sono.

Até depois, então.

Não deixem de visitar a página do JMC no Facebook, no endereço:

https://www.facebook.com/institutojmc/

Há quase 400 fotos lá — embora muitas sejam quase idênticas umas às outras, por causa de minha mania de tirar 2 ou 3 do mesmo cenário ou da mesma pessoa, para garantir que pelo menos uma saia boa..

Em Campinas, 23 de Setembro de 2017

 

O “Aquém” e o “Além” da Comissão da Verdade: A Propósito do Livro de Eliézer Rizzo de Oliveira

[Como o Eliézer Rizzo de Oliveira, colega nosso do JMC, e autor do livro em questão, fez referência hoje (23/9/2017) cedo à resenha que escrevi do livro dele, publicada inicialmente em meu outro blog, Liberal Space, em https://liberal.space/2016/02/18/o-aquem-e-o-alem-da-comissao-da-verdade-a-proposito-do-livro-de-eliezer-rizzo-de-oliveira/, tomo a liberdade de transcrevê-lo aqui neste blog também, para facilitar o acesso dos colegas interessados no assunto. EC]

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Eliézer Rizzo de Oliveira, meu querido amigo e colega faz 53 anos, fez a gentileza de me enviar uma cópia de seu mais recente livro: Além da Anistia, Aquém da Verdade: O Percurso da Comissão Nacional da Verdade  (Editora Prismas, Curitiba, 2015, 347pp.). Não terminei de lê-lo ainda, mas li toda a parte inicial, a conclusão, e vários pedaços no meio, passando os olhos sobre tudo. Não posso deixar de fazer uma resenha, ainda que breve.

O título, para os leitores atentos, já descreve a principal tese do livro. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) cometeu dois pecados graves. De um lado, foi além de seu mandado, tentando constranger a nação a rever a Lei da Anistia e punir os culpados de crimes cometidos especialmente durante a Ditadura Militar. De outro lado, ficou aquém de seu mandado, só investigando os crimes de um dos dois lados em conflito durante a ditadura (os militares), optando por não investigar os crimes do outro lado (aqueles que pegaram em armas e recorreram ao terrorismo para supostamente combater a ditadura, ou seja, a esquerda mais radical).

Fazendo isso, e (erroneamente) atribuindo a essa esquerda mais radical o principal mérito pelo término da ditadura, a CNV omitiu o importante papel daqueles que realmente a combateram, mas sem recorrer à violência: os amantes da liberdade que reconhecem que ela, a liberdade, é fruto de um estado que respeita os direitos dos indivíduos. Foram esses, hoje raramente cultuados, que criaram as condições para o fim da ditadura. Não aqueles que hoje reivindicam esse mérito e que só desejavam substituir um tipo de ditadura, a “de direita”, alinhada com os Estados Unidos, por outro, quiçá pior, a “de esquerda”, comunista, alinhada com a União Soviética.

A CNV foi criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, pela Lei Nº 12.528, de 18 de Novembro de 2011. Seu artigo primeiro lhe fixa o escopo:

“Art. 1o. É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.” [Ênfase acrescentada].

(Vide www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12528.htm)

O art. 8o  do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que está no final da Constituição Federal afirma :

Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”. [Ênfase acrescentada].

(Vide www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm – adctart8 e
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm).

A Constituição Federal foi promulgada em 5 de Outubro de 1988. Assim o período coberto pelo mandado da CNV foi de 18 de Setembro de 1946 até 5 de Outubro de 1988 – um período de um pouco mais de 42 anos. A CNV basicamente ignorou os primeiros dezoito anos desse período.

A finalidade e o escopo da CNV, portanto, foi definido como “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período” de 18 de Setembro de 1946 até 5 de Outubro de 1988.

Indicados os membros da CNV, mas antes mesmo de ser instalada a comissão, vários dos seus membros já manifestavam a opinião de que, contrário ao que especificava o seu mandado, ela deveria “examinar e esclarecer” apenas as violações de direitos humanos praticados por agentes do Governo – vale dizer, pelos militares. Como essa orientação foi seguida, uma vez instalada a comissão, por representar o ponto de vista da maioria de seus membros, está aqui o sentido em que o trabalho da CNV ficou “aquém” do seu mandado: não procurou “examinar e esclarecer” as violações de direitos humanos praticadas pelos que resistiram a mão armada a Ditadura de 1964 (como assinalei, crimes e violências anteriores a 1964 foram basicamente ignorados, independentemente de quem os tivesse cometido).

Ao longo dos trabalhos da CNV ficou evidente que vários dos seus membros desejavam ir além do mandado de “examinar e esclarecer”, pois propunham que fosse suspensa ou revista a Lei da Anistia para que os investigados pudessem ser indiciados e, em última instância, punidos. Essa orientação foi seguida, uma vez instalada a comissão, por representar o ponto de vista da maioria de seus membros. Está aqui, portanto, o sentido em que o trabalho da CNV foi “além” do seu mandado: ela buscou a suspensão ou revisão da Lei da Anistia e o indiciamento e eventual punição dos culpados de violações de direitos humanos.

São principalmente esses dois fatos que o livro de Eliézer Rizzo corajosamente denuncia. Como diz Manoel Domingues Neto na Apresentação, este é “um livro escrito por um homem desassombrado e preparado”, “que assume posição com todas as letras, sem tremelicar” (p.23).

Na verdade, Eliézer deixa sua posição cristalinamente clara já no Prefácio. Ali se esclarece que, em seu percurso, de 2012 a 2014, a CNV conscientemente optou por dividir em dois o enfoque da violência política, “como se a investigação das ações repressivas do regime militar implicasse deixar de lado a pesquisa da luta armada das organizações de esquerda” (p.13 – ênfases acrescentadas; infelizmente as páginas 1 a 22 do livro não estão numeradas).

Eliézer esclarece seus compromissos morais que operam como pressupostos do livro que escreve (p.13):

  1. Compromisso com a democracia, o respeito aos direitos humanos e a realização da política com meios pacíficos;
  2. O repúdio à tortura e aos assassinatos políticos, independentemente das motivações e filiações ideológicas de torturadores e assassinos.

Como se diz, curto e grosso.

Com base nesses compromissos e pressupostos, Eliézer lamenta que “figuras magnas da resistência democrática ao regime militar sejam hoje pouco celebradas pela sociedade de consumo e pelo sistema político, enquanto ícones da luta armada figuram equivocadamente como construtores da democracia” (pp.13-14).

A CNV foi denominada “Comissão da Verdade”. A maior parte das vezes, especialmente em se tratando de assuntos complexos e controvertidos, a verdade não é evidente e manifesta, não vem com rótulo afixado (como bem disse Karl Popper em vários de seus livros e artigos, permito-me acrescentar a referência). A verdade precisa ser buscada, pesquisada, construída de forma cuidadosa, metódica e rigorosa. Em se tratando de questões políticas, especialmente, é forçoso reconhecer que (nas palavras agora novamente de Eliézer) “os sujeitos inserem-se de maneira diferente na sociedade, seus interesses e perspectivas não são os mesmos” (p.14). Por isso, na busca da verdade, se essa busca é sincera e honesta, não é admissível optar por não investigar um lado da questão. Só se chegará à verdade (se é que se vai chegar lá) através de um cotejo aberto, franco, e honesto das diferentes narrativas, dos diferentes pontos de vista, dos diversos e conflitantes interesses. Caso contrário só chegará a uma “meia verdade”, uma “verdade parcial”, não à verdade que se procurava.

Como diz Eliézer, “diante de um processo de magnitude societária, quanto mais restrito o âmbito de investigação da verdade, menos verdade se encontrará” (p.14). Quem tem o poder de decidir o que vai ser investigado acaba optando por privilegiar e realçar o seu ponto de vista, vale dizer, a vista do seu ponto, a sua perspectiva, os seus interesses. Os que não têm o poder de decidir o que vai ser investigado têm a sua voz, os seus pontos de vista, a vista do seu ponto, a sua perspectiva, os seus interesses, silenciados.

Diz Eliézer:

“Resulta que, ao escolher as vítimas ‘de um lado’ a CNV decretou ao esquecimento as vítimas ‘do outro lado’, como fossem um nada. Ou seja, mais de cem vítimas das organizações revolucionárias comunistas não mereceram a atenção da CNV, suas verdades não foram reveladas.” (p.15)

O objetivo real da CNV tinha quatro focos – todos eles nocivos ao regime democrático:

  1. Investigar apenas a “violência estatal”, omitindo a investigação da “violência revolucionária de orientação marxista” (p.15);
  2. Refundar o Estado de Direito”, no pressuposto de que a “refundação” da década de 80, que beneficiou terroristas e militares, não punindo nem uns nem outros, foi inválida, porque os “agentes do governo” deveriam ter sido punidos (p.15);
  3. Decretar o Fim da Anistia (p.15);
  4. Implantar uma Justiça de Transição para punir aqueles que fossem considerados culpados (p.15).

Foi isso que aconteceu com a CNV: “A CNV serviu ao poder que a criou” (p.14). Ela se sobrepôs à lei que a criou, “de modo a substituir a investigação ampla pela investigação restrita” (p.15). Recorreu a argumentos pífios para fazer isso, alegando que não haveria tempo suficiente para investigar os dois lados, ou invocando precedentes de outros países em que comissões semelhantes só investigaram as ações do governo e de seus agentes – ou, então, pretendendo que “quem pegou em armas contra a ditadura [já] foi punido” (p.15) – como se não tivéssemos hoje vários desses nos mais altos escalões do atual governo, embora outros atualmente na cadeia, mas não pelos crimes supostamente políticos de então, mas, sim, por crimes muito menos nobres, como roubar o povo para se perpetuar no poder. (Na última frase, depois do travessão, falo por mim).

Note-se bem: “A CNV serviu ao poder que a criou” (p.14). Alinharam-se com ela, dando-lhe suporte político, “diversos atores sociais e organismos públicos com o propósito de construir uma Frente Popular em torno do projeto de poder e de plataformas sociais e políticas do Partido dos Trabalhadores. O Fim da Anistia (ou a mudança de sua aplicação) e o aprofundamento da Justiça de Transição (punição dos repressores) são as colunas de sustentação de tal frente política” (pp.17-18). [Ênfase acrescentada].

Contra isso, Eliézer propõe essencialmente o seguinte (a proposta sendo detalhada na Conclusão):

  • A manutenção da Anistia sem nenhum titubeio, “em reconhecimento à sua importância para a construção do nosso regime democrático” (pp.18;311-315);
  • A construção de toda a verdade histórica e a abertura de todos os arquivos públicos e privados, o que exigirá uma [nova] comissão para trazer à luz os delitos políticos que a CNV deixou de lado” (pp.18,311-315);
  • Um sério esforço político de promoção da “reconciliação nacional”, objetivo que estava entre as finalidades da CNV, mas que esta lastimavelmente negligenciou, ao tomar partido de um dos lados da questão, contra o outro (pp.311-315).

Gostaria de publicamente dar meus parabéns ao Eliézer por seu livro. Já era tempo de que alguém, bem informado e destemido (“dessassombrado”, nas palavras do Apresentador), colocasse os pingos nos i’s acerca da CNV. O Eliézer os colocou: nos i’s e nos j’s. O Brasil lhe fica devedor pelo que você corajosamente fez.

Trata-se de um livro que merece ser lido – mas é mais do que isso: que precisa ser lido por tantos quantos estão a combater o bom combate de não permitir que o Brasil volte a ser uma ditadura – só que, desta vez, uma ditadura vermelha, comunista, bolivariana – conduzida, além do mais, por ladrões e incompetentes. Deus permita que ela não venha, porque, se vier, será bem pior do que a de 1964.

Publicado originalmente em Salto, 18 de Fevereiro de 2016; transcrito aqui em Campinas, 23 de Setembro de 2017.

Sexto Encontro Prolongado dos Manoelinos: 21-23/Set/2018 !

Ficou deliberado na reunião realizada hoje de manhã que o próximo encontro dos ex-alunos do JMC, bem como Manoelinos Honorários e os agregados ou aderentes (cônjuges ou parceiros, filhos, netos, bisnetos, amigos) será realizado nos dias 21-23 SET 2018.

ANOTE E RESERVE A DATA.

O local será anunciado oportunamente.

Diante do fato de que o Almir e a Jacira pediram para não estarem envolvidos na organização do evento do ano que vem, em virtude de compromissos particulares assumidos, ficou resolvido que a Comissão Organizadora conta, desde já, com os seguintes membros:

Jairo Brasil
Elizeu Cremm
Elke Cremm
Eduardo Chaves

Minha função será a comunicação com vocês, em especial pela Internet: e-mail, este blog, e a página do JMC no Facebook.

Para que ninguém se esqueça, são estes os dados:

E-mail:
eduardo.chaves@jmc.org.br
oscar@jmc.org.br

Blog:
jmc.org.br

Página no Facebook:
facebook.com/institutojmc

WhatsApp:
+55 (11) 97984-0000

Telefone Voz:
+55 (11) 97984-0000

Comecem a preparar-se.

Em Campinas, 23 de Setembro de 2017